Há uns cinquenta anos comecei a trabalhar numa área
que se chamava “Processamento de Dados”. Estudava engenharia na Mauá durante o
dia e arrumei um emprego à noite no Itaú para garantir um trocado. Chegava por
volta das 19 horas e saia meia-noite, pouco mais. Fazia microfilmagem de
cheques e outros documentos das várias agências. Era um trabalho estranho, mas
divertido. Todos os meus colegas eram universitários com o mesmo problema que
eu, conciliar horários de escola com algum trabalho remunerado. Vinham de várias
áreas, engenharia, odontologia, economia, e todos estavam lá em caráter
temporário, ninguém imaginava fazer carreira no banco, estávamos de passagem. Nas
minhas andanças pelo banco, praticamente vazio neste horário maluco, tive
contato com um pessoal que manuseava umas máquinas estranhas, enormes, nas
quais entravam cartões cheios de furinhos e eram separados de maneira
misteriosa em escaninhos diversos. Comecei a conversar com estes profissionais
e tive, assim, o primeiro contato com esta coisa de “Processamento de Dados”.
Depois de alguns contatos com pessoas que me
ajudaram, vários cursos na IBM, indicações de amigos, iniciei finalmente na
área. Uma grande empresa italiana estava montando seu primeiro CPD e contratou
algumas pessoas para tanto, eu entre elas. Um Centro de Processamento de Dados
era um investimento enorme e um trabalho complexo. Instalações especiais, piso
falso para a passagem de cabos, aparelhos gigantes de ar condicionado, máquinas
caríssimas, muito espaço, muita gente. Perfuradoras de cartões, conferidoras,
classificadoras, unidades de fita magnética, impressoras enormes, só depois
vieram as primeiras unidades de disco. Levava-se meses, às vezes anos, para
desenvolver e implantar um projeto, que nem sempre funcionava conforme o
esperado. Era de lascar. E eu não consigo imaginar uma atividade que tenha
mudado tanto nestes anos.
Novas linguagens de programação, novas mídias para
armazenamento de dados – os grandes discos magnéticos, o conceito de bancos de
dados, a coisa mudava rápido, e a atividade passou a chamar-se “Informática”.
E ai chegou a micro-eletrônica e mudou tudo mais uma
vez. Vieram os microcomputadores – os PCs, as novas formas de armazenar
informações, as memórias mais baratas, as planilhas eletrônicas, os
processadores de texto, e esta coisa começou a se popularizar. Computadores que
hoje encontramos em qualquer loja de departamentos são muito mais poderosos que
aqueles gigantes de alguns anos antes. O que antes dependia de milhões de
dólares para ser feito, passou a ser executado com alguns poucos milhares.
Claro que com isto desapareceram funções, pessoas ficaram desempregadas,
fábricas fecharam, empresas de apoio idem, todos tiveram que se reciclar. E a
atividade passou a chamar-se “Tecnologia da Informação (TI)”.
E ai, pimba, apareceu um negócio maluco que chamam
de Internet, e tudo virou de cabeça para baixo.
A comunicação entre pessoas passou a ser fácil,
independente da distância, o e-mail permitia o envio de informações de forma
quase instantânea para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. E esta tal
de Internet começou a ser usada para um monte de coisas, para o bem e para o
mal. Surgiram espetaculares ferramentas de pesquisa, afinal precisamos saber
onde achar as coisas. A indústria fonográfica foi para o saco, a venda de DVDs
foi para o saco, uma nova ordem. A maré tinha mudado. E o comércio mudou. Para
que lojas, se posso comprar coisas sem sair de casa? Vejo as ofertas
disponíveis no meu computador, faço uma encomenda, pago com o cartão de crédito
e recebo a mercadoria em casa. Que beleza. Pessoas perderam o emprego, empresas
fecharam, a mesma história de sempre: ou muda, ou morre.
E ai, um dia um cara deve ter pensado: Porque a
gente não junta várias coisas num pequeno aparelho. Telefone, reprodutor de
músicas, máquina fotográfica, filmadora de vídeos, gravador de som. Com certeza
devem ter dito: Este negócio não vai dar certo, ou ninguém vai querer uma
geringônça destas, mas o cara não desistiu e foi em frente. Estica daqui, puxa
dali, junta coisas que não são nem parentes, aperta tudo numa caixinha
pequenininha e pronto: iPhone.
E tudo mudou, de novo. Nunca mais gravadores,
nunca mais máquinas fotográficas e filmadoras, rádios pra quê? Velhos
problemas: pessoas desempregadas, fábricas fechando, o de sempre. Milhões de
pessoas passaram a poder fazer coisas que nunca imaginaram ser possível. Quer
ligar para alguém? Pode. Quer tirar uma foto? Pode. Quer gravar um vídeo? Pode.
Quer escutar música? Pode. Mas, e agora?
Agora, alguns caras pensaram, vamos criar grupos de
pessoas interessadas em assuntos semelhantes. Twitter, Facebook, Instagram,
vieram nesta maré. E explodiram a cabeça das gentes. Todo mundo querendo
mostrar o que estava fazendo, o que estava comendo, quem estava comendo,
assuntos antes privados viraram públicos, para delírio da platéia, que agora
também participava da peça em andamento. Mas e o lado prático? Pois não, e
vieram os chamados APPs, parentes distantes daqueles intermináveis projetos de
informática. Não fazemos mais sistemas que atendam a alguma necessidade que
alguém diz que tem. Fazemos sistemas que fazem coisas e depois achamos pessoas
que queiram fazer estas coisas. Quer chamar uma taxi? Quer pedir uma comida?
Quer ver se o ônibus vai demorar? Quer mandar uma mensagem sem pagar pelo
serviço da operadora de telefonia? Epa!
Ai eu leio uma entrevista do presidente da maior
operadora de telefonia celular do país dizendo que tal aplicativo é pura
pirataria. Claro né, Mané! Está perdendo faturamento, vai espernear mesmo. Mas
não vai adiantar. Se segura na poltrona, que vai chacoalhar muito mais. Mas
acontecem coisas não previstas. Todo mundo vira repórter, cinegrafista,
articulista. Nada mais instantâneo que um cara com um celular passando no
momento em que ocorre um acidente. Foto, postagem no Facebook e no Instagram,
amigos compartilhando. Pronto. Pronto, fodeu, pensam os que trabalham em jornalismo.
O que antes era uma atividade fechada, exclusiva dos que estavam em alguma
empresa da área, abriu, qualquer um pode entrar.
Onde isto vai parar? Não sei, não faço a menor
idéia. A tecnologia serve ao bom e serve ao mau. Salva uma vida e planeja um
assalto ao banco. Manda uma mensagem de consolo e manda uma mensagem
difamatória. Tecnologia não tem caráter, tem possibilidades.
E para que esta arenga toda? Para nada, só me deu
vontade de registrar o que vi e vivi. Acho que a única coisa que fica deste
assunto é que as coisas mudam, sempre.
Muda ou morre.