segunda-feira, 10 de agosto de 2015

“Things Change” – Para o bem e para o mal.

Há uns cinquenta anos comecei a trabalhar numa área que se chamava “Processamento de Dados”. Estudava engenharia na Mauá durante o dia e arrumei um emprego à noite no Itaú para garantir um trocado. Chegava por volta das 19 horas e saia meia-noite, pouco mais. Fazia microfilmagem de cheques e outros documentos das várias agências. Era um trabalho estranho, mas divertido. Todos os meus colegas eram universitários com o mesmo problema que eu, conciliar horários de escola com algum trabalho remunerado. Vinham de várias áreas, engenharia, odontologia, economia, e todos estavam lá em caráter temporário, ninguém imaginava fazer carreira no banco, estávamos de passagem. Nas minhas andanças pelo banco, praticamente vazio neste horário maluco, tive contato com um pessoal que manuseava umas máquinas estranhas, enormes, nas quais entravam cartões cheios de furinhos e eram separados de maneira misteriosa em escaninhos diversos. Comecei a conversar com estes profissionais e tive, assim, o primeiro contato com esta coisa de “Processamento de Dados”.

Depois de alguns contatos com pessoas que me ajudaram, vários cursos na IBM, indicações de amigos, iniciei finalmente na área. Uma grande empresa italiana estava montando seu primeiro CPD e contratou algumas pessoas para tanto, eu entre elas. Um Centro de Processamento de Dados era um investimento enorme e um trabalho complexo. Instalações especiais, piso falso para a passagem de cabos, aparelhos gigantes de ar condicionado, máquinas caríssimas, muito espaço, muita gente. Perfuradoras de cartões, conferidoras, classificadoras, unidades de fita magnética, impressoras enormes, só depois vieram as primeiras unidades de disco. Levava-se meses, às vezes anos, para desenvolver e implantar um projeto, que nem sempre funcionava conforme o esperado. Era de lascar. E eu não consigo imaginar uma atividade que tenha mudado tanto nestes anos.


Novas linguagens de programação, novas mídias para armazenamento de dados – os grandes discos magnéticos, o conceito de bancos de dados, a coisa mudava rápido, e a atividade passou a chamar-se “Informática”.

E ai chegou a micro-eletrônica e mudou tudo mais uma vez. Vieram os microcomputadores – os PCs, as novas formas de armazenar informações, as memórias mais baratas, as planilhas eletrônicas, os processadores de texto, e esta coisa começou a se popularizar. Computadores que hoje encontramos em qualquer loja de departamentos são muito mais poderosos que aqueles gigantes de alguns anos antes. O que antes dependia de milhões de dólares para ser feito, passou a ser executado com alguns poucos milhares. Claro que com isto desapareceram funções, pessoas ficaram desempregadas, fábricas fecharam, empresas de apoio idem, todos tiveram que se reciclar. E a atividade passou a chamar-se “Tecnologia da Informação (TI)”.


E ai, pimba, apareceu um negócio maluco que chamam de Internet, e tudo virou de cabeça para baixo.


A comunicação entre pessoas passou a ser fácil, independente da distância, o e-mail permitia o envio de informações de forma quase instantânea para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. E esta tal de Internet começou a ser usada para um monte de coisas, para o bem e para o mal. Surgiram espetaculares ferramentas de pesquisa, afinal precisamos saber onde achar as coisas. A indústria fonográfica foi para o saco, a venda de DVDs foi para o saco, uma nova ordem. A maré tinha mudado. E o comércio mudou. Para que lojas, se posso comprar coisas sem sair de casa? Vejo as ofertas disponíveis no meu computador, faço uma encomenda, pago com o cartão de crédito e recebo a mercadoria em casa. Que beleza. Pessoas perderam o emprego, empresas fecharam, a mesma história de sempre: ou muda, ou morre. 


E ai, um dia um cara deve ter pensado: Porque a gente não junta várias coisas num pequeno aparelho. Telefone, reprodutor de músicas, máquina fotográfica, filmadora de vídeos, gravador de som. Com certeza devem ter dito: Este negócio não vai dar certo, ou ninguém vai querer uma geringônça destas, mas o cara não desistiu e foi em frente. Estica daqui, puxa dali, junta coisas que não são nem parentes, aperta tudo numa caixinha pequenininha e pronto: iPhone. 

E tudo mudou, de novo. Nunca mais gravadores, nunca mais máquinas fotográficas e filmadoras, rádios pra quê? Velhos problemas: pessoas desempregadas, fábricas fechando, o de sempre. Milhões de pessoas passaram a poder fazer coisas que nunca imaginaram ser possível. Quer ligar para alguém? Pode. Quer tirar uma foto? Pode. Quer gravar um vídeo? Pode. Quer escutar música? Pode. Mas, e agora?

Agora, alguns caras pensaram, vamos criar grupos de pessoas interessadas em assuntos semelhantes. Twitter, Facebook, Instagram, vieram nesta maré. E explodiram a cabeça das gentes. Todo mundo querendo mostrar o que estava fazendo, o que estava comendo, quem estava comendo, assuntos antes privados viraram públicos, para delírio da platéia, que agora também participava da peça em andamento. Mas e o lado prático? Pois não, e vieram os chamados APPs, parentes distantes daqueles intermináveis projetos de informática. Não fazemos mais sistemas que atendam a alguma necessidade que alguém diz que tem. Fazemos sistemas que fazem coisas e depois achamos pessoas que queiram fazer estas coisas. Quer chamar uma taxi? Quer pedir uma comida? Quer ver se o ônibus vai demorar? Quer mandar uma mensagem sem pagar pelo serviço da operadora de telefonia? Epa!

Ai eu leio uma entrevista do presidente da maior operadora de telefonia celular do país dizendo que tal aplicativo é pura pirataria. Claro né, Mané! Está perdendo faturamento, vai espernear mesmo. Mas não vai adiantar. Se segura na poltrona, que vai chacoalhar muito mais. Mas acontecem coisas não previstas. Todo mundo vira repórter, cinegrafista, articulista. Nada mais instantâneo que um cara com um celular passando no momento em que ocorre um acidente. Foto, postagem no Facebook e no Instagram, amigos compartilhando. Pronto. Pronto, fodeu, pensam os que trabalham em jornalismo. O que antes era uma atividade fechada, exclusiva dos que estavam em alguma empresa da área, abriu, qualquer um pode entrar.

Onde isto vai parar? Não sei, não faço a menor idéia. A tecnologia serve ao bom e serve ao mau. Salva uma vida e planeja um assalto ao banco. Manda uma mensagem de consolo e manda uma mensagem difamatória. Tecnologia não tem caráter, tem possibilidades.

E para que esta arenga toda? Para nada, só me deu vontade de registrar o que vi e vivi. Acho que a única coisa que fica deste assunto é que as coisas mudam, sempre.


Muda ou morre.