quarta-feira, 13 de junho de 2012

O Louco e os loucos.

Havia o “Louco do Bairro”, doravante simplesmente denominado “Louco”. Cada bairro tinha ao menos um, às vezes mais. No Belém da minha infância havia um que era famoso entre a molecada e que aparecia em horas incertas batendo duas tabuinhas que trazia nas mãos, fazendo muito barulho e chamando a atenção. Pronto, chegou o Louco diziam todos, e preparavam-se para os sustos inevitáveis. Ele costumava falar sozinho, o que é de praxe entre os loucos, e quando estava mais animado parava e fazia longos monólogos, sempre reclamando de alguém ou de alguma coisa. Não me lembro dele falando mal do governo, nem de futebol, coisas que fazemos com frequência hoje em dia. Falava longos minutos, aos berros como fazem os loucos, prendendo a atenção da meninada, que ficava preparada para o “Grand Finale”. Em dias de muita animação ele corria atrás da garotada que o assistia e, muitas vezes, provocava. Era uma farra, corria todo mundo, cada um para um lado desconcertando o pobre homem, que ia, voltava, ficava em dúvida em quem perseguir, girava, girava e acabava desistindo, para tristeza geral. Partia batendo suas tabuinhas, gritando e fazendo um barulho danado. De vez em quando ficava muito tempo sem aparecer. Foi para o Juquerí, diziam, revelando um aspecto mais sinistro da vida daquele pobre-diabo. Ninguém sabia muito bem o que era o tal Juquerí, mas dizia-se que lá eram aplicados horríveis choques elétricos nos internados para tranquilizá-los, coisa que nunca entendi bem, já que quando levava algum choque eu ficava assustado, isso sim. Voltava, claro, mas ficávamos de olho para ver se não havia alterações comprometedoras de comportamento ou outras sequelas. Isto ia até a próxima correria, quando tudo voltava normal. Foi sumindo aos poucos, não sei se na verdade não fui eu que parei de prestar atenção nele já que a adolescência me ameaçava com suas garras e preocupações maiores. Sinto saudades daquele tempo e daquele Louco.  

Não vejo muitos destes hoje em dia, mas surgiu uma nova categoria de louco mais assustador e inexplicável. Você caminha pela rua atrás de alguém bem vestido que, pobrezinho, fala sozinho. De repente o bicho dá uma meia-trava, para, e começa e gesticular e aumentar o tom de voz. - “Já disse para não deixar este menino pegar o carro sem minha ordem!”, “Se não pagarem manda pro cartório HOJE!”, “Escuta, meu bem, escuta, não é o que você está pensando!”, e outras conversas incompreensíveis da mesma espécie. Então você repara naquele fiozinho saindo da orelha do elemento e percebe que ele está falando ao telefone celular, devidamente escondido em algum bolso. Já levei muito susto com isso, às vezes tenho a impressão que a pessoa está falando comigo e não sei como reagir, já que não entendo o que está sendo dito. O pior é que este novo louco não sabe que é louco, acha que está em seu pleno direito quando para de repente, atrapalha quem vem atrás, bloqueia a calçada, cria situações constrangedoras nos impondo suas (dele) intimidades e acha que está tudo certinho. Não está. 

Esclareço que não sou contra estas novas tecnologias, alias gosto de uma novidade nesta área, mas acho que junto com o manual do aparelho deveria vir outro de boas-maneiras explicando como usar o novo dispositivo sem incomodar ou encher o saco alheio. Não estou interessado nas intimidades de pessoas que nem conheço e que as expõem de forma desavergonhada na frente de todo mundo, em qualquer lugar. Cobranças, financeiras ou pessoais, descrições de doenças terríveis, mentiras deslavadas (está na cara), tentativas de reconciliação e outros assuntos que não me dizem respeito. Mas parece que as pessoas gostam de expor suas vergonhas em público sem restrições, pensam talvez que estão sozinhos e mandam bala nas suas (deles) intimidades.  De vez em quando o assunto parece interessante e fico curioso para conhecer um fim que nunca chega ao menos para mim, já que continuo meu caminho.

Meninas, meninos, senhoras, senhores, não me interessa se Tia Izilda piorou das hemorróidas, se Tio João está sem grana para pagar a prestação do carro, se o puto do Vanderson (deve ser sueco) te deu o cano, se Valdiclene ficou grávida, estas coisas que escuto sem pedir e sem ter como evitar. Mais compostura, por favor, tenham estas intimidades em lugares reservados e, principalmente, longe de mim.

Agora o pessoal do “tipo wi-fi só que com fio”, que me assusta muito mais, deveria dar uma passada no Juquerí e tomar uns choques. Quem sabe não sossegam o facho.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

“Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar.” - Antonio Machado, poeta espanhol.

O esmelecamento e a mudança de cor sofridos pelos dejetos caninos, eliminados pelos inimputáveis animaizinhos e não recolhidos pelos imboçais de seus proprietários, tornam as já complicadas caminhadas pelo Brooklin mais difíceis ainda. A ação deletéria das copiosas chuvas que se abatem sobre nossa comunidade (posso usar, não posso? Ou é só para as favelas que aparecem nas novelas da Globo?), além de dissolverem o que seria um visível montinho e o transformarem em uma armadilha escorregadia, provocam alterações cromáticas criando uma cor que varia entre o amarelo-esverdeado e o verde-amarelado, a chamada “Cor-de-Merda-Quando-Foge”, que se confunde facilmente às manchas, buracos, folhas, ou outras coisas que infestam nossas pobres, maltratadas e esburacadas calçadas.

Está, assim, criado mais um problema para quem já não enxerga tão bem, já não caminha com a mesma desenvoltura de outrora e tem que tomar cuidado com loucas dirigindo SUV’s, falando ao celular e, às vezes, fumando, com motoboys atrasados, com seus sucessores, os ciclistas na calçada e contramão e com outras dificuldades da mesma natureza. Oportunidade de ouro para que um frequente companheiro de caminhadas exclamasse: “Vô, fodeu, você pisou na bosta!”. Não declinarei o nome deste companheiro por tratar-se, neste caso, de hipótese divagatória e para evitar punições a quem não disse nada, afinal não estava presente.

Com o aumento da quilometragem pessoal, para alguns logo após os 40 e para os mais sortudos mais próximo dos 50, a vista começa a bambear e aparece a famosa “Síndrome do Braço Curto”. Começam os óculos para leitura, cuja gradação vai até uns 4,0 ou 4,5 graus, se não me engano. Já estou lá pelos 3,5. Acontece que a dificuldade visual, novidade para quem não veio com ela de berço, não para por ai. Aos poucos a dificuldade evolui para médias distâncias, longas distâncias, situações com pouca luz, situações com excesso de luz, e por ai vai. Aliás, eu gostaria de saber quem foi o feladaputa do publicitário de vinte e poucos anos que inventou que a velhice á a “melhor idade”. Melhor só se for para o derrière da sua (dele) mãe, seu bostinha. A velhice é uma merda e não me venham com palavras de consolo, só servem para me irritar mais ainda.

Acho que vou lançar um novo produto para velhinhos de qualquer gradação – júnior (60/70), pleno (70/80), sênior (80/90) ou máster (acima de 90). Trata-se da “Bengalassoura” ou “Vassouragala”, o nome ainda não está escolhido. O utilíssimo artefato seria constituído, como o nome sugere, de uma bengala com uma vassoura na ponta. Permitiria afastar do caminho as coisas com aparência suspeita e que pudessem causar dano ou embaraço ao caminhante. Reconheço que a má visão pode prejudicar o uso adequado de tão preciosa ferramenta de apoio. Penso em instalar um sensor que apite quando da existência de algo estranho pela frente. Preciso resolver como avisar aqueles de nós que já não escutam muito bem, talvez uma luzinha piscando, quem sabe. Estão vendo como a velhice é legal? Alguém conhece o inventor do famigerado “Melhor Idade”? Queria mandar um e-mail bem mal-educado pro desinfeliz. Talvez seja mais fácil que a Prefeitura do “Antes não tinha agora tem”, uma puta mentira, lançasse uma campanha chamada “Leve sua merda para o lugar de onde ela veio - a sua casa”.

Antonio Machado teria grande dificuldade em fazer seu caminho no Brooklin, talvez por isso mesmo nunca tenha passado por aqui.