sábado, 26 de julho de 2014

Aguilarices Raphaélicas.

Quando não se tem muito o que fazer, fica-se pensando besteira e lembrando coisas do passado, talvez com alguma contribuição criativa no meio. Então lá vai.

Pedagogia:

Rubem Alves, Paulo Freire, Piaget, Summer Hill que me desculpem, mas método eficaz de verdade na educação infantil era o do Sr. Raphael. Trata-se mais de um conceito do que de um método, muito mais simples e por isso mesmo muito mais fácil e rápido de aplicar. Imagine que algumas crianças estejam brincando em um aposento, sozinhas, enquanto os adultos estão em outro local. Inevitavelmente, ao menos na minha família, uma das crianças vai começar a chorar e a reclamar do outro ou outros. Meus irmãos eram especialistas nisso e meus netos não fogem à regra. Meu pai, calmamente (mentira!), dirigia-se ao local do incidente e aplicava as agora proibidas palmadas em todos, estivessem ou não envolvidos no fato. Acredito que pela dificuldade de apurar a veracidade das versões e pelo susto que havia tomado distribuía uma justiça discutível, mas igualitária. Seria ele um socialista? Outro dia, aqui em casa, passei por situação semelhante com meus netos que brincavam no quarto, estando eu na sala. Henrique começa a chorar e a dizer que o irmão, Vitor, havia lhe dado uns tabefes. A prima Naná, também presente, observava. Chego e, após as broncas iniciais, digo a eles que vou lhes explicar o novo processo educacional que adotarei daqui em diante e detalho o procedimento de meu pai. Naná questiona: “Mas vô, e quem não tiver nada com isso?”. Quando lhe digo que mesmo os presumivelmente inocentes entrarão na dança ela me olha com surpresa e resmunga: “Mas não é justo!”. Concordo com ela, mas reitero, não é justo mas é assim que vai ser. E saio do quarto, triunfante. Não acredito que vá funcionar por muito tempo, mas ao
menos naquele fim de dia as coisas ficaram mais calmas. Nem precisei usar as palmadas, a explicação bastou.

O Cesto das Meias.

A casa dos meus pais sempre foi uma bagunça. Não me entendam mal, não estou reclamando, éramos muitos, a confusão era grande, horários diferentes, necessidades variadas, não havia como ser de outra forma. Mas que, às vezes, a coisa era punk lá isso era. Quando morávamos na Rua Ouro Branco, travessa da Rua Estados Unidos, havia um cesto de vime que ficava, não me perguntem a razão, no quarto dos meus pais. As meias, depois de lavadas, eram depositadas, sem nenhuma classificação ou separação, neste intrigante recipiente. Durante algum tempo eu era o que acordava mais cedo, horário da faculdade, distância da escola, sei lá, e após o banho precisava de meias. Entrava, pé ante pé, no quarto deles, que ainda dormiam, não acendia a luz, pescava duas meias do tal cesto e saia sem fazer barulho. Na maioria das vezes pegava só duas, mas em algumas ocasiões pegava mais de duas para aumentar minhas probabilidades de acerto. Se você tivesse sorte, as meias seriam semelhantes, se tivesse muita sorte seriam da mesma cor, e se estivesse pronto para ganhar na loteria seriam do mesmo par. Fui para a escola com meias descasadas diversas vezes, só ocasionalmente acertei no duque.

Terapêutica Curativa.

Na casa dos meus pais havia alguns processos de complementação terapêutica que eram adotados em caso de doença. Consulta médica, remédios, até ai tudo normal. O primeiro método complementar era brigar com o doente. Isso mesmo, alguém ali acreditava que brigando com o enfermo ele ou ela deixaria de bobagem e melhoraria logo. Nunca funcionou, lógico, não fazia o menor sentido. O outro era o milagroso suco de laranja adotado por Dona Delmira. Pressão alta? Suco de laranja. Pressão baixa? Suco de laranja. Dor de barriga? Suco de laranja. Ressaca? Suco de laranja. Era um elixir milagroso, curava tudo. Não sei se ajudou muito, mas ao menos mal não fez. Além disso, durante algum tempo o Sr. Raphael adotou a dieta do ovo cru matinal como processo preventivo de doenças variadas. Pegava o elemento e o obrigava a tomar uma gema de ovo crua, salpicada com um pouco de sal e colocada em uma colher de sopa, como se fosse uma dose de remédio. Era bom neguinho não estourar a danada na boca e engolir direto como se fosse uma ostra. Quando a gema se rompia a coisa ficava brava.


Bons tempos aqueles, tenho saudades.

Foto de Maio de 1964, Dia das Mães, quando Dona Delmira foi homenageada com o título de Mãe do Ano em uma escola do bairro. Merecidamente.