Quando não se tem muito o que fazer, fica-se
pensando besteira e lembrando coisas do passado, talvez com alguma contribuição
criativa no meio. Então lá vai.
Pedagogia:
Rubem Alves, Paulo Freire, Piaget, Summer Hill que
me desculpem, mas método eficaz de verdade na educação infantil era o do Sr.
Raphael. Trata-se mais de um conceito do que de um método, muito mais simples e
por isso mesmo muito mais fácil e rápido de aplicar. Imagine que algumas
crianças estejam brincando em um aposento, sozinhas, enquanto os adultos estão
em outro local. Inevitavelmente, ao menos na minha família, uma das crianças
vai começar a chorar e a reclamar do outro ou outros. Meus irmãos eram
especialistas nisso e meus netos não fogem à regra. Meu pai, calmamente
(mentira!), dirigia-se ao local do incidente e aplicava as agora proibidas
palmadas em todos, estivessem ou não envolvidos no fato. Acredito que pela
dificuldade de apurar a veracidade das versões e pelo susto que havia tomado distribuía
uma justiça discutível, mas igualitária. Seria ele um socialista? Outro dia,
aqui em casa, passei por situação semelhante com meus netos que brincavam no
quarto, estando eu na sala. Henrique começa a chorar e a dizer que o irmão,
Vitor, havia lhe dado uns tabefes. A prima Naná, também presente, observava.
Chego e, após as broncas iniciais, digo a eles que vou lhes explicar o novo
processo educacional que adotarei daqui em diante e detalho o procedimento de
meu pai. Naná questiona: “Mas vô, e quem não tiver nada com isso?”. Quando lhe
digo que mesmo os presumivelmente inocentes entrarão na dança ela me olha com
surpresa e resmunga: “Mas não é justo!”. Concordo com ela, mas reitero, não é
justo mas é assim que vai ser. E saio do quarto, triunfante. Não acredito que
vá funcionar por muito tempo, mas ao
menos naquele fim de dia as coisas ficaram
mais calmas. Nem precisei usar as palmadas, a explicação bastou.
O Cesto
das Meias.
A casa dos meus pais sempre foi uma bagunça. Não me
entendam mal, não estou reclamando, éramos muitos, a confusão era grande,
horários diferentes, necessidades variadas, não havia como ser de outra forma.
Mas que, às vezes, a coisa era punk lá isso era. Quando morávamos na Rua Ouro
Branco, travessa da Rua Estados Unidos, havia um cesto de vime que ficava, não
me perguntem a razão, no quarto dos meus pais. As meias, depois de lavadas,
eram depositadas, sem nenhuma classificação ou separação, neste intrigante
recipiente. Durante algum tempo eu era o que acordava mais cedo, horário da faculdade,
distância da escola, sei lá, e após o banho precisava de meias. Entrava, pé
ante pé, no quarto deles, que ainda dormiam, não acendia a luz, pescava duas
meias do tal cesto e saia sem fazer barulho. Na maioria das vezes pegava só
duas, mas em algumas ocasiões pegava mais de duas para aumentar minhas
probabilidades de acerto. Se você tivesse sorte, as meias seriam semelhantes,
se tivesse muita sorte seriam da mesma cor, e se estivesse pronto para ganhar
na loteria seriam do mesmo par. Fui para a escola com meias descasadas diversas
vezes, só ocasionalmente acertei no duque.
Terapêutica
Curativa.
Na casa dos meus pais havia alguns processos de
complementação terapêutica que eram adotados em caso de doença. Consulta
médica, remédios, até ai tudo normal. O primeiro método complementar era brigar
com o doente. Isso mesmo, alguém ali acreditava que brigando com o enfermo ele
ou ela deixaria de bobagem e melhoraria logo. Nunca funcionou, lógico, não
fazia o menor sentido. O outro era o milagroso suco de laranja adotado por Dona
Delmira. Pressão alta? Suco de laranja. Pressão baixa? Suco de laranja. Dor de
barriga? Suco de laranja. Ressaca? Suco de laranja. Era um elixir milagroso,
curava tudo. Não sei se ajudou muito, mas ao menos mal não fez. Além disso,
durante algum tempo o Sr. Raphael adotou a dieta do ovo cru matinal como
processo preventivo de doenças variadas. Pegava o elemento e o obrigava a tomar
uma gema de ovo crua, salpicada com um pouco de sal e colocada em uma colher de
sopa, como se fosse uma dose de remédio. Era bom neguinho não estourar a danada
na boca e engolir direto como se fosse uma ostra. Quando a gema se rompia a coisa
ficava brava.
Bons tempos aqueles, tenho saudades.
Foto de Maio de 1964, Dia das Mães, quando Dona Delmira foi homenageada com o título de Mãe do Ano em uma escola do bairro. Merecidamente.
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