segunda-feira, 30 de junho de 2014

A Barata no banheiro.

Numa noite destas, em uma de minhas muitas excursões ao banheiro para mijar, coisas da idade, deparei-me com ela. Ao acender a luz vi a enorme barata pousada numa parede, me olhando. Já estava preparando meu chinelo exterminador quando ouço dentro da minha cabeça: Não, não, não me mate, preciso falar com você! Pensei na hora: Agora fodeu, enlouqueci de vez. Estou até escutando uma barata falante. Falante não, pior, telepata. Ela insiste: Você não está louco, eu estou falando mesmo. Uso telepatia pois não tenho os instrumentos necessários para falar como os humanos fazem e então desenvolvi recursos mais avançados. Ouça com atenção, por favor.

Resolvi dar corda ao repugnante inseto e mandei, em pensamento para que minha mulher não acordasse e, me ouvindo falar sozinho no banheiro, me internasse de vez: Então telepate, o que você quer de mim? Como não perguntei se era uma barata ou um barato, tratá-la-ei aqui como sendo do sexo feminino e portanto uma barata. Veja bem, disse ela, estou aqui numa importante missão de esclarecimento e escolhi você para este primeiro contato verbal, digamos assim, com os humanos. Tive que me conter para não chinelar a miserável ao ouvir o tal veja bem, mas consegui e pedi que continuasse.

Lembra-se que na Copa de 2010 havia o polvo Paul, que fazia previsões sobre os resultados dos jogos e acertava tudo? Então, com a morte do pobre octópode nós baratas resolvemos assumir esta tarefa e faremos previsões ainda mais exatas já que somos mais desenvolvidas que os polvos. Estamos na Terra já mais tempo que quase todas as espécies e continuaremos aqui após a extinção delas todas, inclusive da vossa. Assumimos este desafio simples, das adivinhações futebolísticas, para ganhar credibilidade, passando depois para coisas mais importantes. Posso dizer quis são nossas previsões?

Diga, pensei eu, quais serão os finalistas e que time será o campeão desta que alguns chamam de Copa das Copas? Você ficará surpreso, pensa ela, mas a final será entre Grécia e Argélia e a Grécia vencerá nos pênaltis, após jogo e prorrogação terminarem sem gols. Não pode ser, exclamo telepaticamente, a Grécia?! Não ganham nada desde a Guerra de Tróia, aquela do cavalo, e olha que já faz tempo. Pois é, pensa ela, nós também nos surpreendemos, esperávamos um resultado mais normal, com Alemanha, Argentina ou Brasil em primeiro. Mas fazer o quê? O Conselho das Baratas definiu como exata a previsão que te passei. E agora, faço o que, pensei? Divulgo isso? Ninguém vai acreditar e vou passar por maluco, o que não é improvável já que falo com uma barata neste momento.

Ela continua: vamos fazer o seguinte, você não me mata hoje e após o jogo entre Grécia e Costa Rica conversaremos novamente. Como estou segura de minha previsão, acho que você passará a me olhar com outros olhos. Tentei pensar sem que ela me ouvisse, mas como esconder pensamentos de um telepata? Posso fazer duas perguntas? Ela concorda, confiante.

Primeira, como a Grécia vai passar pela Holanda?
Segunda, como é seu nome, se é que você tem um?

Fácil, diz ela, A Grécia vencerá a Holanda por 1 X 0, gol de Robben e meu nome é Samsa. Está de sacanagem comigo? O Robben joga na Holanda e Samsa é o nome de Gregor Samsa, o personagem de Metamorfose de Kafka, que vira inseto no início daquela obra-prima literária. Ela ri e contra ataca, gol contra, é claro. E escolhi este nome pois achei uma fina ironia com vocês. Tudo bem, digo eu, vamos nos encontrar aqui depois de Grécia X Costa Rica. Ela concordou e nos despedimos.

Na última madrugada, na mijada das 3.45 - horário de Brasília - ela estava no mesmo lugar.

E ai, pergunto eu, o que foi que deu errado? Ela, sem jeito, explica: A culpa foi do meu celular. Recebi a previsão por Whatsup e a porra do aplicativo comeu algumas palavras. Fiquei com a impressão que a Grécia venceria, mas na verdade a vencedora seria Costa Rica. Mas o resto não muda, a Costa Rica vai ganhar a copa. Sei, sei, pensei. E dei-lhe uma puta chinelada, esmagando o maldito inseto contra o azulejo. Depois de limpar aquele creme nojento, voltei para a cama. Não se pode confiar nestas baratas, ainda mais as irônicas. Kafka!? Era o que me faltava, uma barata pedante! 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A Coisa!

Não sei bem quando a coisa começou, mas já faz algum tempo. Começou devagar, com uma proteção às baleias aqui, um salve os golfinhos ali, um preserve a natureza acolá, parecia uma coisa ingênua. Mas a coisa foi crescendo, passou a observar nosso comportamento, nossos preconceitos, nossa falta de educação, nossas preferências políticas, nossos hábitos.

Foram criadas organizações para cuidar de todas as coisas, com várias especializações. Algumas foram chamadas de ONGs, em princípio independentes de governos, que depois vieram a mamar verbas públicas, mostrando que não são tão não governamentais assim. Depois os próprios governos, entendendo-se aqui os partidos que estão com a mão no cofre no momento, que vendo as oportunidades que se apresentavam começaram a criar coisas governamentais, era uma mina de ouro. E as coisas começaram a criar regras para todos nós. Teus preconceitos são péssimos, reacionários, conservadores, fadados aos infernos. Preconceitos bons são aqueles apregoados pelas coisas, pois na verdade o que as coisas propõem são trocas de preconceitos. Os deles são bons, os outros são maus. Se você tem uma opinião diferente, a coisa vai te pegar.

Você fuma? Vício execrável! A coisa condena com todas as forças, te põe pra fora de restaurantes e locais públicos, logo, logo, a coisa ficará feia até para quem fuma na rua. A menos que você fume maconha. Ai a coisa é diferente. Várias coisas são a favor da maconha, desde coisas medicinais, coisas recreativas, até coisas que tratam das liberdades civis, o que quer que seja isso. Marchas e contramarchas a favor da cannabis sativa, com interdição de avenidas, fechamento de universidades, uma farra. Você bebe? Ai a coisa é relativa. Se você é um expert em vinhos ou em cervejas importadas e diferentes, tudo bem, a coisa flui bem. Mas se você é um pé-de-cana que gosta de tomar um esquenta-guela qualquer na padaria ou no boteco da esquina a coisa pega pro seu lado. Melhor esquecer seu repertório de piadas, na certa cheio de preconceitos étnicos, sexuais, geográficos, e que desrespeita minorias diversas.  

Você xinga políticos com palavras de baixo calão, seja em cerimônias públicas, seja em reuniões privadas ou, pior ainda, através das ditas redes sociais? Ai depende. Se você for membro ou simpatizante da coisa certa, governamental ou não, então pode. Estamos cansados de ver exemplos de celebridades da política nacional que fazem isso com desenvoltura. Mas se você pertencer a alguma categoria que a coisa não goste, ai não pode. A coisa está tão complicada que até escritores que morreram há muito tempo, com obras importantes, não estão agradando. Há quem proponha que seus livros sejam reescritos ou, pior, sejam queimados em praça pública para mostrar que agora a coisa é outra. Não importa o contexto em que as obras tenham sido produzidas, a coisa parece não saber o que é contexto. Algumas organizações, patrocinadas por coisas misteriosas, estão alertas para problemas de desrespeito aos direitos humanos, mesmo que cometidos na época do Império Romano ou até antes. Agora, se a coisa gosta de alguma linha de pensamento, ela será incentivada e exaltada mesmo que nunca tenha dado certo em lugar nenhum, talvez por sabotagem daqueles que são contrários à coisa certa.

A coisa está brava, cuidado!