Havia o “Louco do Bairro”, doravante simplesmente denominado “Louco”. Cada bairro tinha ao menos um, às vezes mais. No Belém da minha infância havia um que era famoso entre a molecada e que aparecia em horas incertas batendo duas tabuinhas que trazia nas mãos, fazendo muito barulho e chamando a atenção. Pronto, chegou o Louco diziam todos, e preparavam-se para os sustos inevitáveis. Ele costumava falar sozinho, o que é de praxe entre os loucos, e quando estava mais animado parava e fazia longos monólogos, sempre reclamando de alguém ou de alguma coisa. Não me lembro dele falando mal do governo, nem de futebol, coisas que fazemos com frequência hoje em dia. Falava longos minutos, aos berros como fazem os loucos, prendendo a atenção da meninada, que ficava preparada para o “Grand Finale”. Em dias de muita animação ele corria atrás da garotada que o assistia e, muitas vezes, provocava. Era uma farra, corria todo mundo, cada um para um lado desconcertando o pobre homem, que ia, voltava, ficava em dúvida em quem perseguir, girava, girava e acabava desistindo, para tristeza geral. Partia batendo suas tabuinhas, gritando e fazendo um barulho danado. De vez em quando ficava muito tempo sem aparecer. Foi para o Juquerí, diziam, revelando um aspecto mais sinistro da vida daquele pobre-diabo. Ninguém sabia muito bem o que era o tal Juquerí, mas dizia-se que lá eram aplicados horríveis choques elétricos nos internados para tranquilizá-los, coisa que nunca entendi bem, já que quando levava algum choque eu ficava assustado, isso sim. Voltava, claro, mas ficávamos de olho para ver se não havia alterações comprometedoras de comportamento ou outras sequelas. Isto ia até a próxima correria, quando tudo voltava normal. Foi sumindo aos poucos, não sei se na verdade não fui eu que parei de prestar atenção nele já que a adolescência me ameaçava com suas garras e preocupações maiores. Sinto saudades daquele tempo e daquele Louco.
Não vejo muitos destes hoje em dia, mas surgiu uma nova categoria de louco mais assustador e inexplicável. Você caminha pela rua atrás de alguém bem vestido que, pobrezinho, fala sozinho. De repente o bicho dá uma meia-trava, para, e começa e gesticular e aumentar o tom de voz. - “Já disse para não deixar este menino pegar o carro sem minha ordem!”, “Se não pagarem manda pro cartório HOJE!”, “Escuta, meu bem, escuta, não é o que você está pensando!”, e outras conversas incompreensíveis da mesma espécie. Então você repara naquele fiozinho saindo da orelha do elemento e percebe que ele está falando ao telefone celular, devidamente escondido em algum bolso. Já levei muito susto com isso, às vezes tenho a impressão que a pessoa está falando comigo e não sei como reagir, já que não entendo o que está sendo dito. O pior é que este novo louco não sabe que é louco, acha que está em seu pleno direito quando para de repente, atrapalha quem vem atrás, bloqueia a calçada, cria situações constrangedoras nos impondo suas (dele) intimidades e acha que está tudo certinho. Não está.
Esclareço que não sou contra estas novas tecnologias, alias gosto de uma novidade nesta área, mas acho que junto com o manual do aparelho deveria vir outro de boas-maneiras explicando como usar o novo dispositivo sem incomodar ou encher o saco alheio. Não estou interessado nas intimidades de pessoas que nem conheço e que as expõem de forma desavergonhada na frente de todo mundo, em qualquer lugar. Cobranças, financeiras ou pessoais, descrições de doenças terríveis, mentiras deslavadas (está na cara), tentativas de reconciliação e outros assuntos que não me dizem respeito. Mas parece que as pessoas gostam de expor suas vergonhas em público sem restrições, pensam talvez que estão sozinhos e mandam bala nas suas (deles) intimidades. De vez em quando o assunto parece interessante e fico curioso para conhecer um fim que nunca chega ao menos para mim, já que continuo meu caminho.
Meninas, meninos, senhoras, senhores, não me interessa se Tia Izilda piorou das hemorróidas, se Tio João está sem grana para pagar a prestação do carro, se o puto do Vanderson (deve ser sueco) te deu o cano, se Valdiclene ficou grávida, estas coisas que escuto sem pedir e sem ter como evitar. Mais compostura, por favor, tenham estas intimidades em lugares reservados e, principalmente, longe de mim.