Meu cachorro, Seu Bosta, doravante simplesmente
denominado SB, é de lascar. Eu estava vendo TV outro dia quando o peralta entra
na sala, segurando um iPad novinho, usando óculos e de meias. Olhei espantado e
ele foi logo explicando: Estou com frio, já não enxergo tão bem e ganhei este
tablet num concurso literário da ABLA – Academia Brasileira de Letras Animais,
na qual sou colaborador do suplemento quinzenal Coisas Que só os Bichos Vêem.
Satisfeito?
Boquifechei-me e perguntei o que ele queria
então, já que estava tão superior. Respondeu que estava preparando nova matéria
para a ABLA e, com vistas à sua candidatura a uma cadeira permanente entre os
Animais Imortais, que pelo lamentável falecimento de um escritor e filósofo
Pastor Alemão estava vaga, queria caprichar. Manda, falei. E ele mandou.
Seguinte, disse SB, gosto de criar palavras que
uso em minhas matérias e que vocês humanos não usam por dizerem que estão
erradas. Já usei exclusive, da qual gosto muito, para significar algo ou alguém
que fica de fora. Todo mundo usa a palavra inclusive, muitas vezes de maneira
errada, mas exclusive não pode? Por quê? Veja como fica bom: Todos foram à
festa, exclusive eu. Pronto, nenhuma explicação adicional é necessária. Os
editores da Coisas Que Só os Bichos Vêem adoraram. Outro exemplo, elergúmeno, significando
um elegante energúmeno, figura tão frequente em política, já usei também
imboçal, de óbvia conotação dupla, ou quer que eu explique.
Declinei da gentileza, espantado, e perguntei
no que poderia ajudar. Ele, solene, disse: Estou querendo lançar a bela
“analfabesta”, o que você acha? Não entendi o significado, disse eu, e ele com
ar cansado como convém aos intelectuais quando conversam com os mais rudes,
explicou. Analfabesta é aquele cara que não sabe ler, não por não conhecer as
letras ou as palavras formadas pela junção de algumas delas, mas sim por não
entender o que está escrito ou, pior, por fazer interpretações equivocadas do
que quis dizer o autor da frase. Exemplos pedi eu, ele pensou um pouco e disse:
Camarada lê notícias que comprovam que determinado cidadão (ou cidadoa) cometeu
algum deslize passível de punição, merecida por sinal, mas por acreditar em
desculpas as mais esfarrapadas possíveis releva e acha que o meliante deve ser
perdoado, talvez com um leve puxão de orelhas. Falando nisso, porque os humanos
gostam de usar estes puxões como forma de castigo, não seria melhor uma boa
mordida? Continue, pedi, e ele foi em frente. Vossos políticos mentem pra
cacete, desculpe a linguagem, e vocês continuam votando neles por anos e anos
seguidos. Não pensam em não eleger novamente o criminoso, ou há outros
interesses que não percebo? Não sabia o que dizer, o bicho estava coberto de
razão, mas pedi mais exemplos, que vieram. Vejo pessoas que simpatizam tanto com
determinados partidos políticos que, mesmo com a condenação pelo Supremo
Tribunal Federal de membros deste mesmo partido por crimes cometidos, continuam
achando que tais indivíduos não devem ser punidos, nem com prisão e, mais
espantoso, nem com a perda de mandatos no congresso. Afinal Supremo não
significa o maior, o último, o final? Ainda pior, os reelegem. São ou não são
analfabestas? Ministros e Secretários defenestrados por uma janela do governo,
acabam voltando de uma forma ou outra e indicam sucessores. Quem se informa a
respeito e concorda com isto não é um analfabesta de primeira? As propagandas
dos partidos políticos, todos, são tão mentirosas, tão exageradas e os
analfabestas acreditam e votam naqueles Pinóquios cujos narizes não crescem.
Quer mais?
Eu já estava sem palavras, visto que os
argumentos de SB eram irrespondíveis. Concordei então: acho que você deve
adotar esta nova palavra já que seus editores incentivam sua criatividade, ela
tem força e depois de compreendida tem alto grau de clareza. Gostaria, além
disso, de passar a usá-la entre os humanos, com sua permissão é claro.