Gosto de cinema como já devem ter percebido. A
chamada sétima arte, por mim, poderia ser a terceira, logo após a música e a
literatura (sei não, talvez aqui haja um empate). Já assisti a milhares de filmes, mas hoje quero falar das salas de projeção. Acreditem ou não os mais jovens, já houve cinemas fora de
Shopping Centers. Todo bairro tinha ao menos um, os mais velhos talvez se
lembrem disso é só puxar pela memória, mas não façam muita força para não espanar,
cuidado.
Do centro da cidade lembro-me do Art-Palácio, do
Metro, do Paissandú, do Rivoli, do Marabá, do Marrocos, do O Lido, do
semi-pornográfico Jussara – o único com ar-condicionado, do Coral, conheci todos, mas como sou
da ZLP (Zona Leste Próxima), aterei meus comentários aos desta região da
cidade, sem desmerecer aqueles dos outros bairros.
Zona Leste Próxima é uma designação geográfica que
acabei de inventar para designar os bairros do Brás, Belém e, vá lá, Tatuapé,
por onde eu circulava mais e são mais próximos do antigo centro da cidade, a Praça
da Sé e a falecida Praça Clóvis Beviláqua. O bairro do Pari, que também conheci
um pouco, é vizinho do Brás e do Belém, mas eu o considerava um preâmbulo da
Vila Maria, início da misteriosa Zona Norte. Os desconhecidos bairros da Penha,
Vila Formosa, Vila Matilde e demais da região podem ser considerados Zona Leste
Média, já os longínquos Itaquera, Guaianazes e outros quase subúrbios pertencem
ao Extremo da Zona Leste. Na época achava que São Miguel era em outro planeta.
Ainda acho.
Mas estou divagando, vamos ao ponto: cinemas.
Da Praça Clóvis ao Belém, pouco mais de sete
quilômetros, havia ao menos cinco ou seis cinemas, imaginem. Contando:
Rua de Gasômetro – Cine Glória, com um balcão
superior que permitia que os meninos cuspissem em quem estava embaixo.
Av. Rangel Pestana – Cine Piratininga, cujo slogan
era "A maior sala de cinema do Brasil" (ou seria do mundo?).
Av. Celso Garcia – Cine Universo de um lado e Cine
Roxy do outro, ambos próximos da Rua Bresser, um antes e outro depois. O Roxy
era de uma elegância formal, tradicionalista. Mas o Cine Universo tinha uma
característica única. Como as sessões costumavam ser duplas, isto é,
assistia-se a dois filmes em seguida, no intervalo entre eles um mágico
mecanismo abria o teto da sala e aparecia o céu, coisa muito original. Antes
que alguém pergunte: E se chovesse? Neste caso o teto não era aberto, lógico.
Só no Belém, um bairro pequeno, tínhamos duas destas
casas de espetáculo, digamos assim. No Largo São José do Belém havia o Cine São
José e na parte mais nobre do bairro, se é que isto
existia, havia o Áster na Rua Marquês de Abrantes, cujo nome foi mudado para
Ibéria quando os padres que fundaram o Colégio Agostiniano compraram o imóvel, espanhóis
que eram. Pouco tempo depois foi fechado e o espaço foi incorporado ao colégio.
Lembro-me que havia em ambos uma cortina de proteção da tela, que era içada ao
início das sessões. Nesta tal cortina existiam propagandas das casas comerciais
do bairro, alfaiates, sapatarias, bazares, padarias, costureiras, escolas, uma
profusão de coisas. Não tinha muito espaço para os publicitários da época encherem
nosso saco, mas era um pouco monótono, sempre as mesmas coisas.
Nestes cinemas vi meus primeiros filmes.
O São José, nas matinês de domingo, apresentava um
seriado entre os filmes principais, Hopalong Cassidy, Durango Kid, estas
coisas. Era uma estratégia infalível para atrair a molecada para estas sessões,
já que ninguém queria perder o próximo episódio, saber como o mocinho iria
escapar daquela terrível armadilha. Mas eu não ia sempre, ou por falta de grana
ou por falta de autorização, ou por falta das duas. Conta a lenda que, justamente
numa das vezes em que não fui, Rogério Papel, apelido derivado de sua magreza,
havia fugido de casa para ver seu seriado preferido e tinha levado seu
estilingue. No auge da ação do seriado, quando o vilão estava prestes a matar o
mocinho, Rogério saca de sua arma e sapeca certeira pedrada no malvado. Foi a
conta, a tela abriu-se toda a partir do furo vingador e impossibilitou a
continuidade da sessão. Um fuzuê. Como não vi, não posso jurar que foi assim
mas que a lenda é boa, isto é.
Tempo bom aquele.