O convite.
Estive somente duas vezes no Jockey Clube de São
Paulo. A primeira há uns dez anos ou mais, num jantar com minha mulher e dois
casais amigos, e a segunda no último sábado (03/12/2016), com meu filho
Eduardo, que havia conhecido o local recentemente e queria me levar para uma
tarde divertida e esportiva (para os cavalos).
As lembranças.
Logo após o convite de meu filho comecei a me
lembrar de minha infância, na qual havia os que “jogavam nos cavalos”, como se
dizia naquela longínqua época dos que gostavam de fazer uma fezinha nas patas
dos garbosos quadrúpedes. As pessoas comentavam, sussurrando, “aquele até que é
bom rapaz, mas tem o vício dos cavalos”, “Tio Fulano joga nos cavalos, pobre
tia Fulana”, toda família tinha um tio com este assustador vício. Da mesma
forma que toda família tem um tio que bebe, havia aquele tio que jogava nos
cavalos. Engraçado que não me lembro do mesmo preconceito contra os que
gostavam de jogar no bicho ou comprar bilhetes de loteria, hábitos comuns na
minha família.
Na esquina da rua em que eu morava havia uma venda,
que pra quem não sabe era um estabelecimento que vendia de tudo. Tamancos,
vassouras, feijão a granel, bacalhau, batatas, pinga no balcão, doces
acomodados em vitrines fechadas, de vidro (acho que era para que as moscas não
fugissem). Do outro lado, na esquina oposta, havia um bar que era território
proibido. Lá se reuniam, vejam o perigo, pessoas que gostavam de apostar em
corridas de cavalos. Liam jornais e revistas especializados, lembro-me de um
chamado “O Coruja”, faziam anotações, conversavam a respeito do estado atlético
dos animais e dos jóqueis, uma conversa para iniciados. Cresci assim, cheio de
preconceitos a respeito desta maldição que se abatia sobre alguns pobres diabos
que, tirando esta marca de Caim, até eram boas pessoas.
A chegada.
E lá fomos nós, para aquele antro de perdição. Na
entrada, logo após o estacionamento, um restaurante bacana, com muito
movimento, principalmente de belas moças, profissionalmente vestidas, em grupos
de três ou quatro, que deveriam estar indo ao encontro de amigos. Os carros
estacionados próximos ao tal restaurante eram modelos novos de marcas de luxo.
Muitos Audis, BMWs, Mercedes, os melhores exemplares. Pude ver ao vivo, pela
primeira vez na minha vida, uma Lamborghini novinha, até me
assustei.
Mas ao nos aproximarmos das áreas destinadas aos
apostadores e torcedores, dava para perceber a decadência. Instalações que
devem ter sido belíssimas há quarenta ou cinquenta anos, precisando de reparos.
Pedaços de piso quebrados, móveis e instalações antigos. Até uma inexplicável
cabine telefônica, muito antiga, onde se lia “Tele Turfe” e na qual havia um
antigo e solitário aparelho telefônico. Imagino que o Jockey Clube deve ter
tido seu auge entre as décadas de 1930 e 1960, decaindo a partir daí e perdendo
espaço para outros tipos de jogos e diversões. Não imaginem algo brega, não é
nada disso, mas a antiga elegância está puída, gasta pelo tempo.
A plateia.
Pouco público, não sei se é assim sempre ou se fomos
num dia de menor movimento. No salão central ficam os guichês de apostas, uma
lanchonete e vários televisores que transmitem as corridas de outros
hipódromos, principalmente do Rio de Janeiro, e mostram os resultados e rateios
dos prêmios dos páreos encerrados. E, pasmem, aqueles senhores que ficavam no tal
bar proibido estavam todos lá, com as mesmas revistas e canetas, fazendo
anotações e discutindo as probabilidades com os amigos. Mas pera lá, não podem
ser os mesmos, já se passaram sessenta anos, devem ser os filhos daqueles
desvairados apostadores. Inacreditavelmente, nenhum deles vai às arquibancadas
para ver as corridas, não saem do tal saguão vendo tudo pela TV, gritam no
final dos páreos, xingam os perdedores, riem dos amigos que quase acertaram o
ganhador. São todos parecidos comigo, por volta dos setentinha (alguns mais),
não há quase jovens. Nós fazíamos nossas apostas e íamos assistir as corridas
das arquibancadas, muito mais divertido e saudável.
Os jogos.
Nem meu filho, nem eu entendemos picas deste
assunto, então apostar foi um exercício de criatividade. Chegamos no início do
terceiro páreo, pudemos ver os animais no aquecimento, ai nossa avaliação
prevaleceu. O cavalo mais bonito, o que parecia mais nervoso, estas bobagens.
Apostamos e perdemos. Normal. Ai começou uma puta chuva, tivemos que ficar mais
abrigados e passamos a fazer nossas escolhas pelo místico critério do nome dos
animais. “In The Money”, “Geniale” ou “Ellen Caliente”? Fomos de “In The Money”
e o bicho ganhou. Mas era favorito e a grana foi pouca, não compensou o
prejuízo inicial. Ai ficou difícil, “Num Carece”, “Olympic Google”, “Justiça
Divina Now”, “Senatus”. “Num Carece” foi desclassificado de cara, escolhemos
outros e ...perdemos. Percebemos que podíamos apostar na ponta ou no placê, que
paga caso o cavalo chegue em primeiro ou segundo, ai as chances aumentam. Mas o
prêmio diminui. Sétimo páreo ganhamos uns caraminguás no placê, nada relevante.
Oitavo páreo, estamos analisando os cavalos no desfile de apresentação. Os
nomes eram muito sugestivos “Falcatrua”, “Opus Uno”, “Veuve Clicquot”, “Ferrari
Negra”, “Etoile Home”, todos uma beleza. Fora um horroroso “Kaxaça”, eram todos
nomes fortes. Mas ai é que se deu o dilema. Havia dois cavalos tordilhos
naquele páreo. Pra quem não lembra, Tordilho era o nome do cavalo que eu,
quando garoto, costumava cavalgar na Fazenda Pedra Branca, cuja saga já foi
apresentada aqui. Falo para meu filho: Quero jogar num tordilho! Ele: Qual
deles? Um era bonitão, garboso, imponente, uma beleza. O outro parecia cavalo
de carroça, pescoço caído, olhar tristonho. Arrastava-se na apresentação,
cheguei a comentar com meu filho: Este bosta vai ganhar. E o bonitão ainda era
o tal “Falcatrua”. Era o destino! Vou nesse. Eduardo escolheu outro cavalo e
pimba! Perdemos. Ganhou “Veuve Clicquot”, a égua tordilho com cara de triste.
Último páreo.
Eu tinha avisado o Eduardo na chegada: “Trouxe cem
mangos. A hora que acabar, acabou.” Restavam cinquenta e poucos, o resto já
tínhamos perdido. Então abandonamos a ciência dos nomes e partimos para a
violência. Vamos apostar a olho (como se já não estivéssemos fazendo isso).
Ponta e placê em cinco cavalos, só vão restar três. Alguma coisa a gente ganha.
Só pra sair com a sensação de vitória. Vamos lá! Eduardo dirigiu-se ao guichê
de apostas enquanto eu ficava na arquibancada ouvindo um cara engraçado que fazia
piadas num grupo próximo. Meu filho volta e avisa: troquei um dos cavalos,
estava pagando muito pouco, não iria adiantar nada. Mudei para um azarão que,
se entrar, vamos nos dar bem. Beleza, vamos lá!
Páreo nervoso, cavalos embolados, eu com dificuldade
de ver os atletas, só enxergando quando estavam muito perto. “Vai, viado”,
“Vai, filho-da-puta”, torcemos na maior elegância. Quem ganhou? Ganhamos?
Ganhamos! O cavalo que Eduardo havia escolhido na boca do caixa, o azarão (no
caso a azaroa), que havia largado mal, disparou no final e venceu a corrida.
Bendita “Morena Rosa”.
Ganhamos cento e vinte cruz-credos. O lucro quase
deu para pagar o estacionamento.
Epílogo.
Já estamos planejando novas aventuras equestres. Meu
filho estudará sites especializados. Eu assistirei ao clássico dos Irmãos Marx,
“Um Dia nas Corridas”.
Nos aguardem!