domingo, 1 de abril de 2012

A Tristeza Dos Meus Irmãos.

Meus irmãos Sílvia, Mirinha, Raphael, Ricardo e Marcelo andam muito tristes. A mãe deles está muito doente, caída em uma cama há um ano, sem reação a nada e, parece, não vai durar muito. O sofrimento deles é visível, dá até pena. Alguns perguntarão “Mas a mãe deles não é a sua?”. É e não é.

Dona Delmira Martins Alves Aguilar, nascida em 18/11/1921 em Vila Real, Trás dos Montes, Portugal, pessoa física, é a mãe de todos nós. Mas a entidade emocional que habita os corações e mentes, o consciente, o subconsciente, o inconsciente, o escambau, de todo mundo, é diferente para cada um.

Minha mãe é SÓ MINHA, ninguém tasca! Convivo com esta mulher há mais tempo que qualquer um deles, são sessenta e sete anos de amor, amizade, paciência, resignação, desapontamento, tudo que vocês podem imaginar que ocorre entre um filho e sua mãe. Gostava quando ela me dizia algum ditado português. Um dos meus preferidos é: “Menos dá uma fraga, mais mija-se nela ao pé”.

-         O que é uma fraga?
-         Uma pedra, ora pois.
-         Mas então o que significa esta expressão, Dona Delmira?
-         Muito clara, não vês?
-         Não vejo.
-         Uma fraga é uma pobre pedra, que não dá nada, nada lhe cresce em cima, é só desamparo.
-         Mas então porque lhe mijam, mãe?
-         Para piorar o que já é ruim.
-         Acho que entendi: Quanto mais pra baixo alguém está, mais lhe pisam em cima. É isto?
-         Demoraste, não é?

Alma lusa, sem muitas alegrias aparentes, nunca vi minha mãe cantarolando alguma música, achava bobagem. Tinha tantas coisas para resolver que não iria perder tempo com estas merdices. Sete filhos, um marido meio tresloucado (como todos), mas apaixonado por ela, uma falta de dinheiro crônica que mais parecia uma das pragas do Egito, a vida dela não foi moleza. Chegou ao Brasil com treze anos, mais ou menos, provavelmente muito assustada pela mudança. Logo começou a trabalhar e, de uma forma ou outra, nunca mais parou. Era uma mulher linda. Linda não, lindíssima! Tinha razão o Sr. Raphael em casar-se logo com aquela portuguesinha que morava na Vila Lameirão, travessa da Rua do Gasômetro, aonde morava meu pai.

Meus irmãos reclamam que eu sou o queridinho dela. Sou mesmo, que se lasquem. No almoço alguma coisa não muito do meu agrado, ela sacava da cozinha: “Mauricio, quer um ovo frito?”, que meus irmãos logo transformaram em “Mauricinho, quer um ovo frito”. Invejosos! Ela nunca me chamou por este diminutivo infeliz que assumiu o significado de alguém muito formal e arrumadinho. Mas comi muito ovo frito, sim senhor. Até seus oitenta e seis ou oitenta e sete anos tomava metrô e ônibus e vinha me visitar a quilômetros daquela lonjura da Cantareira, aonde ela se enfiou, talvez saudosa de sua aldeia natal. Fazia o melhor bolinho de bacalhau que algum ser vivente terá, jamais, comido. E era um saco, ela fritando e aquela matilha de filhos e marido comendo a produção antes que chegasse à mesa. E o arroz de polvo, meu Deus! Mas ela mesma não curtia muito estas coisas, cozinhava para os outros.

Alguém mais racional me dirá: “Mas sua mãe está com noventa anos, viveu bastante, mais que a maioria”. Obviedade idiota, como diria Nelson Rodrigues. Claro que ela não é mais jovem e já viveu muito, mais do que eu, provavelmente, viverei. Mas isto não evita que eu fique muito triste pela situação dela, eu estou muito triste. Muito triste não, eu estou TRISTE PRA CARALHO que é o maior aumentativo que eu conheço, eu e minha linguagem de cais do porto. Nunca imaginei que esta situação dela fosse me deixar com esta enorme sensação de desamparo, como se fosse uma criança, eu já um velho (ou quase). Peço a todos os Deuses, nos quais não creio (mas espero estar errado), que se compadeçam dela e de sua situação terrível, exatamente o que ela mais temia – a dependência total dos outros e lhe permitam encerrar esta viagem e iniciar sua navegação de volta para casa. As estrelas.
Minha amada Dona Delmira, minha mãe, meu primeiro amor, minha querida.

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