Éramos muitos, éramos duros, éramos metidos, enfim era coisa normal. A Turma do Palacete reunia-se, é claro, em frente ao “O Palacete”, como era conhecida uma mansão existente na Rua Herval, no bairro do Belém. Não sei o motivo, mas quase não se via os moradores da residência, às vezes parecia não haver ninguém. A frente da casa, com quase cinquenta metros de muros baixos encimados por gradis era um convite a que nos sentássemos e ficássemos horas fazendo nada, o que era nossa especialidade. Chegávamos aos poucos, um de cada vez, sempre esperando não ser o primeiro, aquele que esperava pelos demais. Não havia horários pré-definidos, valia qualquer coisa, mas a concentração maior começava no inicio da noite, quando estavam todos liberados de eventuais compromissos (poucos) e prontos para jogar conversa fora por longas horas. Os temas eram quase sempre os mesmos: carros e namoradas, coisas que nem todos tinham. Costumávamos ficar até altas horas fazendo piadas uns com os outros, gozando os mais ingênuos, provocando os mais irritáveis, contando mentiras verdadeiras ou verdades mentirosas, como preferirem, estas coisas que os jovens faziam naquele tempo. Hoje parece que não é mais assim, pena.
Os carros eram uma paixão quase platônica já que a maioria era menor de idade, sem carteira de motorista, e os já devidamente habilitados não tinham o que dirigir, só quando o pai emprestava o carro, o que nem sempre acontecia. Mas sabíamos tudo a respeito, marcas, motores, potências, corridas, por ai. Dois ou três tinham seus próprios carros e eram admirados pelos demais, inferiorizados pela mendicância automobilística existente naquele tempo. Não havia grandes carros, é certo, a indústria nacional estava no começo, não era a festa que é hoje, Volkswagens, Gordinis, DKWs e olhe lá. Muitos pais ainda tinham velhos carros estrangeiros, Chevrolets, Fords, Dodges, Buicks, quase sempre mal conservados e que viviam dando problema. Mas era o havia, lambíamos os beiços quando podíamos dirigir algum destes trambolhos ambulantes.
Sempre que escuto alguém mais velho dizendo que tem saudades dos carros de seu tempo costumo pensar: “Mas saudades do quê, porra? Eram umas merdas. Qualquer carro moderno é muito melhor”.
E então, certo dia surgiu o Land Rover do Neto.
Neto era o mais velho de quatro irmãos meio aloucados, filhos do Sr. José e Dona Teresinha, que deviam ter uma paciência enorme para agüentar aqueles moleques. Para que se tenha uma noção das peraltices, costumavam treinar seus cachorros para serem corajosos colocando fogo em jornais colocados em voltam das casinhas em que prendiam os apavorados animais. “É pra perderem o medo”, diziam. Nunca morreu nenhum cachorro, é bem verdade, mas que era estranho isto era.
E o Neto ainda não tinha carta de motorista, o que era um puta problema. Sr. José até emprestaria o carro, mas sem carteira nada feito. Ou aparecia alguém habilitado ou teriam que esperar, não adiantava reclamar. Eu tinha carteira de motorista, acabei virando motorista freqüente do bólido inglês.
O Land Rover não era uma destas coisinhas mimosas e valiosas que vocês conhecem agora e que simbolizam alta qualidade automobilística. Era um jipe meio velho, um pouco destrambelhado e que aquecia a todo momento, nos obrigando a andar com garrafas de água e panos para, quando necessário, molharmos a maldita bomba de gasolina que vivia dando problema e que provocava paralisias no veículo nos piores momentos e nos lugares mais inadequados. A grana pra gasolina também era curta, as vaquinhas para abastecer eram freqüentes e os passeios curtos. O tanque de gasolina era abastecido por bocal existente embaixo do banco do carona, coisa muito segura.
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