sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Friorentos.


Pertenço a uma longa linhagem de friorentos. Minha avó Ana, a materna, tinha um frio que nunca passava, coisa que transferiu para minha mãe. Ambas começavam a tiritar no final de fevereiro, início de março, e só reconheciam o eventual verão entre janeiro e fevereiro e olhe lá. Mesmo assim não dispensavam as meias de lã. Meu avô Joaquim também era um friorento praticante, usando agasalho a maior parte do tempo, nunca dispensando a clássica camiseta por baixo da camisa e do pulôver. Imagino que os três nunca conseguiram esquecer o frio que passaram em Portugal, de onde vieram, e incorporaram aquela incomoda sensação aos seus sentidos, como se fossem seis: Olfato, Tato, Audição, Visão, Paladar e Frio.  

Meu pai, filho de espanhóis, não ficava atrás. Bastava esfriar um pouco e ele andava pela casa enrolado em uma manta, parecendo um fantasma xadrez, reclamando. Não me lembro do que manifestavam a respeito meus avós paternos, meus contatos com eles eram mais eventuais e não permitiam estas observações científicas. Já comentei que meu avô paterno, Vô Pepe, falou comigo duas vezes na vida e ambas para me mandar ficar quieto e parar de encher o saco. Uma flor de pessoa. Minha avó era legal, sempre tirando de uma bolsa enorme, que sempre tinha por perto, qualquer coisa que alguém precisasse. Barbante, tesouras, balas, elásticos, qualquer coisa mesmo. Parecia mágica de circo. E era muito carinhosa, talvez para compensar a rabugice de seu marido.

Eu sou friorento e para ajudar moro em apartamento quase inglês. Só bate sol nesta porra uma vez por ano, numa quinta-feira à tarde. Ano passado tive que sair na data prevista e perdi tão importante evento. Este ano estou atento, não perco este solzinho por nada. Não que o tempo esteja particularmente frio este inverno. Já fez muito frio, claro, mas ultimamente está batendo um veranico, como dizem os especialistas. É que no fim da tarde bate um puto de um ventinho gelado que vai das seis da tarde as nove ou dez da noite e que me incomoda muito.

Meus filhos e netos não são assim, principalmente meus netos que parecem nunca sentir frio. Posso estar congelando, estremelicando, batendo os dentes, quando Vitor, Henrique e Naná chegam, a primeira coisa que fazem é tirar o agasalho, os sapatos e as meias, para meu espanto. E eu fico perdendo meu tempo com chatices do tipo: “Crianças se agasalhem”, “Não tirem as meias, o chão está gelado”, “Vocês vão ficar resfriados”. Claro que eles não me dão a mínima bola e continuam o quer que estivessem fazendo antes de minhas rabugices. Acho que eu também não sentia frio quando era da mesma idade que eles.
Opa! Vou correr até a janela que está passando um sol por aqui. Tchau.

sábado, 18 de agosto de 2012

A neta do William.


William Atihe morreu ontem. Tinha 67 anos, como eu, tinha filhos e netos, como eu, tinha uma profissão parecida com a minha, na verdade tínhamos muitas coisas em comum.

Amava muito seus filhos e netos e procurava vê-los todas as semanas em encontros para almoçar ou jantar, com a presença de todos. E era amado reciprocamente por todos eles, que viviam preocupados com sua saúde frágil e com suas constantes dores nas costas, que o obrigavam a se entupir de analgésicos. O coração não resistiu e William partiu jovem, ao menos nas estatísticas que vemos hoje em dia. Encontramos-nos meia dúzia de vezes em eventos sócio-familiares e ele sempre me tratou com gentileza e elegância, o que parecia ser sua característica.

Mas o que eu mais gostava nele era saber de seu carinho por sua neta Nathalia, a primeira de sua família e muito querida por ele. Certa vez pediu, meio sem jeito, à mãe e ao pai da Nathalia que lhe fosse permitido levar a neta para um passeio em um shopping, só os dois, para almoçar, passear, estas coisas que os avós gostam de fazer com os netos. Ficou todo feliz quando o filho e a nora autorizaram o passeio. A neta, por sua vez, o adorava. Sempre contava dos encontros com Vovô William e das maravilhas do molho branco do Manezinho, que comia com o macarrão dominical no restaurante em que ia com os pais e o avô. O vovô sempre reservava para a neta várias moedas de R$ 1,00 para que ela guardasse e depois comprasse algum presente, o que ela adorava. Muitas vezes antecipava o valor correspondente a muitas destas moedas para permitir que ela conseguisse alguma coisa que estava querendo muito e logo, vocês sabem como são as crianças.

Estou muito triste com a perda da Maria Tereza, do Alexandre, do Sérgio, do Igor e da Larissa, sua mulher e filhos, mas estou particularmente triste pela falta que William fará à sua neta Nathalia, que ainda é muito pequena para entender estas coisas (será que alguém entende?) e sentirá, mesmo sem perceber, muita falta deste avô. Eu sou o outro avô da Naná e vou procurar ajudá-la quando a saudade do William bater muito forte, mas sei que nunca será a mesma coisa, sem o molho branco do Manezinho, sem as moedas para guardar e sem o carinho daquele avô especial.

Deixo para ele esta prece Irlandesa, muito linda, e que espero que se realize:

William,

Que as gotas da chuva molhem suavemente o seu rosto,
Que o vento suave refresque seu espírito,
Que o sol ilumine seu coração,
Que as tarefas do dia não sejam um peso nos seus ombros,
E que Deus envolva você no manto do Seu amor.
Que a estrada se abra à sua frente,
Que o vento sopre levemente em suas costas,
Que o sol brilhe morno e suave em sua face,
Que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E até que nos encontremos de novo...
Que Deus lhe guarde na palma de sua mão.

Boa Viagem, Irmão!