Pertenço a uma longa linhagem de friorentos. Minha avó Ana, a materna, tinha um frio que nunca passava, coisa que transferiu para minha mãe. Ambas começavam a tiritar no final de fevereiro, início de março, e só reconheciam o eventual verão entre janeiro e fevereiro e olhe lá. Mesmo assim não dispensavam as meias de lã. Meu avô Joaquim também era um friorento praticante, usando agasalho a maior parte do tempo, nunca dispensando a clássica camiseta por baixo da camisa e do pulôver. Imagino que os três nunca conseguiram esquecer o frio que passaram em Portugal, de onde vieram, e incorporaram aquela incomoda sensação aos seus sentidos, como se fossem seis: Olfato, Tato, Audição, Visão, Paladar e Frio.
Meu pai, filho de espanhóis, não ficava atrás. Bastava esfriar um pouco e ele andava pela casa enrolado em uma manta, parecendo um fantasma xadrez, reclamando. Não me lembro do que manifestavam a respeito meus avós paternos, meus contatos com eles eram mais eventuais e não permitiam estas observações científicas. Já comentei que meu avô paterno, Vô Pepe, falou comigo duas vezes na vida e ambas para me mandar ficar quieto e parar de encher o saco. Uma flor de pessoa. Minha avó era legal, sempre tirando de uma bolsa enorme, que sempre tinha por perto, qualquer coisa que alguém precisasse. Barbante, tesouras, balas, elásticos, qualquer coisa mesmo. Parecia mágica de circo. E era muito carinhosa, talvez para compensar a rabugice de seu marido.
Eu sou friorento e para ajudar moro em apartamento quase inglês. Só bate sol nesta porra uma vez por ano, numa quinta-feira à tarde. Ano passado tive que sair na data prevista e perdi tão importante evento. Este ano estou atento, não perco este solzinho por nada. Não que o tempo esteja particularmente frio este inverno. Já fez muito frio, claro, mas ultimamente está batendo um veranico, como dizem os especialistas. É que no fim da tarde bate um puto de um ventinho gelado que vai das seis da tarde as nove ou dez da noite e que me incomoda muito.
Meus filhos e netos não são assim, principalmente meus netos que parecem nunca sentir frio. Posso estar congelando, estremelicando, batendo os dentes, quando Vitor, Henrique e Naná chegam, a primeira coisa que fazem é tirar o agasalho, os sapatos e as meias, para meu espanto. E eu fico perdendo meu tempo com chatices do tipo: “Crianças se agasalhem”, “Não tirem as meias, o chão está gelado”, “Vocês vão ficar resfriados”. Claro que eles não me dão a mínima bola e continuam o quer que estivessem fazendo antes de minhas rabugices. Acho que eu também não sentia frio quando era da mesma idade que eles.
Opa! Vou correr até a janela que está passando um sol por aqui. Tchau.
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