terça-feira, 12 de março de 2013

Reunião de Condomínio.


A coisa está passando de todos os limites, algo precisa ser feito e com urgência. Eu já ando com o sistema nervoso. Basta ligar o Rádio ou a TV e logo aparece alguém para me informar quantas mortes ocorreram nas últimas 24 horas, quantos quilômetros de congestionamento a cidade enfrenta, que ontem foi o dia mais frio ou mais quente do ano, que vai faltar água no Nordeste, que vai sobrar água no Sudeste, que a Transposição do São Francisco não ata nem desata, que as obras para a Copa de 2014 estão atrasadas, que a popularidade do governo, apesar de tudo, continua subindo, enfim, despejam um monte de notícias assustadoras sobre este pobre velhinho. Acho que o objetivo deste pessoal é me deixar tão inseguro que eu resolva não sair mais de casa e que fique o dia inteiro dando audiência aos programas que divulgam tais notícias. Se mudar de canal ou trocar a estação serei notificado por Apóstolos, Bispos, Missionários, Pastores, que, a menos que eu compareça a um determinado local e participe de uma cerimônia de descarrego organizada por estes senhores, irei para o quinto dos infernos, sem perdão.
Assunto é o que não falta, só para ficar nos palpitantes mais recentes tivemos os julgamentos de Gil Rugai e do Goleiro Bruno, o pedido de demissão de Bento XVI, a ameaça nuclear da Coréia do Norte, a morte e o correspondente embalsamamento do Chávez. Agora se avizinham, ameaçadores, o julgamento do Mizael, o conclave para eleição do novo Papa, as roubalheiras aqui e alhures, os novos mortos e os velhos quase mortos, entre outros.
Pensando nisso convoquei uma reunião extraordinária com meus neurônios, para que pudéssemos decidir nossa posição face a tantos tormentosos tormentos. Mantendo o que vem acontecendo nas últimas reuniões, o quorum foi muito baixo. A maioria faltou. As desculpas foram as mais variadas, desde aqueles que esqueceram a data, o local da reunião, que condução deveriam tomar, até os que preferiram fazer coisa mais produtiva. Soube que alguns foram à praia, outros ao cinema e outros ainda ficaram só vagabundeando vendo TV ou xeretando no Facebook. No final o número de presentes se resumia a sete neurônios e eu, num total de oito votantes. Para evitar a possibilidade de empate, o que iria gerar mais confusão, convoquei de última hora meu cachorro, Seu Bosta, apesar das bobagens que este desaforado animal anda fazendo ultimamente. Aberta a reunião e aprovadas as contas do exercício anterior, passamos de imediato à discussão da pauta do dia que se resumia a um único item: Qual será o assunto presente na imprensa, em todas as suas formas, que elegeremos como o maior enchedor de saco do planeta, aquele que dá vontade de gritar quando somos submetidos a mais uma única palavra a respeito? Depois de explicar quatro ou cinco vezes a finalidade da reunião para os mais distraídos, começamos os debates. Robervaldson, um neurônio que não sei de onde apareceu, pediu a palavra e sugeriu que escolhêssemos as quedas de Neymar como o assunto mais chato, colocando em segundo lugar as contusões de Valdívia e/ou as expulsões de Luiz Fabiano. Só pensa no nobre esporte bretão este menino, acho que é mais um jogador de futebol frustrado. Epaminondas, um dos mais antigos, sugeriu que o assunto mais aborrecido era a cobertura dada às enchentes, corriqueiras nos meses de início de ano e que, segundo ele, vem desde os tempos do prefeito Prestes Maia. Depois de mais de duas horas de reunião a coisa não desempatava, sugestões fracas, assuntos de baixo impacto, enfim mais uma reunião perdida.
Foi quando Seu Bosta pigarreou e pediu a palavra. Descreveu com precisão a chatice que era ouvir quantos Cardeais iriam votar no próximo conclave, de como era preparada a Capela Sistina para o processo de votação, de como os votos deveriam ser grafados com letras alteradas para que não se descobrisse de quem eram. Enfatizou sobre a aparência assustadora da repórter Ilze Scamparini, com os olhos profundos, os cabelos compridos jogados sobre os ombros e quase cobrindo o rosto, a voz tenebrosa num misto de Rivotril com “Não aguento mais esta merda”, disse que ela está cada vez mais parecida com a bruxa da vassoura. A proposta foi aprovada por 7 X 2, não que houvesse votos contrários mas é que estes dois tinham ido ao banheiro, bem naquela hora. Então ficou decidido que a pauta mais insuportável das próximas semanas será a eleição do novo Papa, com todos os seus rituais renascentistas, seus procedimentos estranhos, seus segredinhos de Polichinelo. O verdadeiro e legítimo Pé no Saco.
SB ficou tão vaidoso que sua proposta havia sido aprovada que, além de pedir sua inclusão entre meus neurônios como “Neurônio Honoris Causa”, pediu um aumento de salário. Que salário, porra?! Quadrúpede destrambelhado este. 

Habemus Papam! Haja Saccum!

domingo, 3 de março de 2013

Tecnogeriatria – Um tutorial para a terceira idade.


Estou usando há alguns dias um “Uai! Fone?!” destes modernos, touchscreen, wi-fi, 3g, diversas funções – até parece um dos antigos canivetes suíços multiuso. Ganhei o bicho de meu filho Eduardo pelo processo de herança reversa, aquela pela qual os pais recebem os bens dos filhos. Vou tentar resumir minhas experiências até agora, talvez sejam úteis para outros anciões que resolvam se aventurar pelo maravilhoso mundo da tecnologia que, como sabemos bem, é reservado aos jovens.

Primeiro: Não precisa apertar o que aparece na tela, basta tocar. Parece fácil mas não é. Nosso treinamento, que começou com os telefones de discar, envolveu a noção de que é preciso um esforço físico, mesmo que mínimo, para que algo aconteça. Agora a coisa mudou. Tocar é diferente de apertar. Se você ficar apertando muito a tela destas novas maravilhas, o máximo que vai conseguir é que ela fique mais engordurada. Acredito que num futuro próximo as funções serão executadas a partir do olhar, sendo desnecessário qualquer contato físico com o aparelho. Então não aperte, toque.

Segundo: Se algo não está acontecendo, a culpa é sua. A lógica cerebral de nossa turma não é a mesma daquela dos engenheiros de 27 anos que projetaram estas gracinhas e muito menos a dos analistas e programadores de 19 anos que fizeram os programas embarcados. Estes meninos e meninas são da geração do vídeo game, acostumados a controles quase impossíveis de usar, com diversos botões e joysticks (como se diz isso em português?) que muitas vezes têm que ser acionados simultaneamente. Devem ter dezesseis dedos e ainda usar a ponta do nariz para ajudar. Quando nascemos ainda não havia TV, imagine só! E, ao que parece, ela também está em vias de extinção. Acho que em breve receberemos as imagens e sons diretamente em nossos cérebros, através de alguma porretilha enfiada em nossos ouvidos, se não resolverem usar outras alternativas para esta conexão. Vá com calma, não se desespere, sempre será possível desligar este treco. Tente fazer uma coisa de cada vez, e já é muito para tua idade.

Terceiro: Isto NÃO é um telefone! Este objeto que agora te assombra tem múltiplas utilidades (e milhares de inutilidades) o que inclui, quase por acaso, um telefone. Mas esta função não é a principal, pode crer. Quer saber a previsão do tempo? Cá está. Ultimas notícias? Pois não. O que está passando nos cinemas, dicas de restaurantes, classificação dos filmes, programação da TV, está tudo lá. Fotografar, filmar (hoje se diz fazer um vídeo), mandar e receber mensagens, entrar nas tais mídias sociais (Facebook, Twitter, etc.), consultar mapas, usar um GPS (sabe o que é?), ouvir música, navegar na Internet, só não faz café o danado. Ainda, dirão alguns. Mas não espere enxergar muito bem estas preciosas informações, afinal já vai longe seu tempo de olhos de águia. Bota logo estes óculos!

Quarto: Lembra do primeiro celular que você comprou? Aquele que esperou dois anos após inscrever-se na Telesp, que parecia um tijolo e que custou algo perto de mil dólares? Esquece. Não são nem parentes. Os celulares jurássicos mal telefonavam (defeito ainda existente nos modernos aparelhos em algumas ocasiões), chiavam a toda hora e perdiam o sinal quando entravamos em túneis ou em áreas de sombra (linguagem técnica da época, hoje não se usa mais). Estes novos artefatos são descendentes dos computadores e não dos telefones, meu caro. E dos computadores bons, não daquelas jabiracas que você usava em seu trabalho. O que está em suas mãos é uma maravilha da miniaturização, que concentra o poder de fogo de um jato F5 e não daqueles antigos estilingues da tua infância.             

Quinto: Se tudo falhar, se você não conseguir usar o novo brinquedinho apesar de todo seu esforço, não desanime. Chame seu filho ou, melhor ainda, caso tenha chame seu neto. Eles vão ouvir seu problema e, com uma cara de saco cheio, vão fazer o que você estava querendo. Mas não se iluda, eles não vão te ensinar a fazer, já que acham que não adianta, você não vai aprender mesmo. Fazer o quê? Talvez tenham razão.

Boa Sorte!


sábado, 2 de março de 2013

Quem dá aos pobres...


Naquele dia ela acordou decidida a acabar com aquela vergonha. Já estava na empresa há mais de dez anos e, apesar dos esforços imensos de seu antecessor – um santo homem, a situação persistia. No princípio era a principal assistente do Chefe, com muitos poderes mas não o poder supremo de resolver todos os problemas, isto era com ele. E olha que ele se esforçou, tentou de várias formas acabar com os problemas herdados dos Chefes anteriores e que mantinham aquela organização praticamente na idade das trevas. Muitos progressos foram feitos, à custa de alianças com antigos adversários, algumas vezes ferozes algozes, e com pessoas de reputação nada exemplar. Mas o Chefe sempre lhe dizia que isso era necessário para manter a organização funcionando, a caminho de seu destino brilhoso e feliz (o Chefe não era muito bom em gramática, mas ninguém é perfeito). Quando passou a ocupar o cargo principal logo tomou a providência de mudar o título de Chefe para Chefa, afinal era importante que todos soubessem que, pela primeira vez na história daquela empresa, uma mulher ocupava a cadeira de espaldar mais alto. Muitos a criticaram por isso, mas para quem já tinha enfrentado torturas, exílio, e quem sabe quais outras provações, estas críticas não fizeram nem cócegas.

Agora ela iria dar uma basta numa situação que muito lhe incomodava. No caminho do trabalho, a bordo de seu carro importado, blindado e com os vidros escurecidos (fumê para quem prefere), ela podia observar que, sim, havia MISERÁVEIS pelo caminho. Pessoas que viviam em condições sub-humanas, quase animalescas. Isto a revoltava, afinal não fora para ver isso que enfrentara tantas adversidades e tanta luta, que tivera que sacrificar seus princípios pelo que o Ex-Chefe chamava de governabilidade (ele tinha lido a palavra numa revista e a usava sempre que possível, mesmo sem saber o que queria dizer exatamente). Em outros tempos ela poderia sair em peregrinação, sentar-se sob uma árvore e, como Buda, meditar por meses, talvez anos, até alcançar a iluminação. Mas não, os tempos são outros e exigem medidas de efeito mais imediato.

Chamou então seus principais ajudantes, alguns recebidos por herança do Santíssimo, como também era conhecido seu antecessor, e que ela não sabia muito bem o que faziam, e ordenou: Quero acabar com a miséria por aqui imediatamente, hoje mesmo. Façam sugestões, vamos escolher a melhor e colocá-la em prática sem demora. Foi uma balbúrdia, todos pensando ao mesmo tempo, o que não era comum por ali, dava para ouvir o ranger de neurônios enferrujados tentando fazer alguma coisa que prestasse.

Pronto, foi instalada a primeira dúvida em tão nobre propósito. Qual é o valor que tira alguém da miséria? Este valor deveria ser individual ou por família? Um estagiário que estava por ali por não ter nada melhor para fazer sugeriu: Que tal um salário mínimo por pessoa, já que este valor é reconhecido pela Constituição como o mínimo que um indivíduo deve ganhar para garantir sua subsistência. Gargalhadas gerais. Estes garotos falam sem pensar. O responsável pela chave do cofre disse: Sabemos quantos são estes, com perdão da má palavra, miseráveis? Outra confusão, ninguém tinha a menor idéia. As estimativas eram desde poucas centenas, vistos os maravilhosos programas sociais criados à época de Sua Santidade, seu antecessor, até vários milhões de pobres coitados. Ficou resolvido que o número seria estimado em sete milhões de almas, se é que estes esquecidos têm uma. Logo começaram a fazer as contas e viram que não havia dinheiro no cofre para sustentar tanta gente, era necessário estabelecer um valor que não levasse a organização à bancarrota, destino previsto por alguns detratores da atual administração, uma cambada de invejosos.

Neste momento o apontador do Jogo do Bicho, estritamente proibido e por isso mesmo muito praticado, que passa diariamente para recolher as apostas e informar os resultados avisou: hoje deu porco na cabeça, a milhar foi 1.970. Superada a péssima lembrança que esta data desperta alguém sugeriu: vamos estabelecer em setenta cruz-credos (moeda local) o valor para erradicação definitiva da miséria. A sugestão foi aprovada de imediato, mas o cara da chave ressaltou: o dinheiro ainda não dá. 70 X 7.000.000 = 490.000.000 de cruz-credos por mês, CC 5.880.000.000 por ano. Assim não há cruz que aguente, disse o herege. Uma bonitona, que ninguém sabia o que fazia na empresa mas que já estava agendada para a capa da Sexy do próximo mês, sugeriu: No lugar de darmos CC 70 para cada pobrezinho, vamos complementar a renda até este valor. Cada um receberá o necessário até chegar ao mínimo estabelecido pelo PDEM (Programa Dela de Erradicação da Miséria), nome que havia sido sugerido ao início da reunião e aprovado por unanimidade. Refeitas as estimativas, viu-se que pela nova e sagaz metodologia o total ficaria próximo de CC 2.990.000.000 por ano, suportável segundo o homem da chave. Esperem um pouco, alertou o organizador oficial de filas, temos que tomar cuidado para não virar bagunça. Neguinho não pode ir ao Bancão e dizer simplesmente: sou miserável e ganho CC X por mês, vá passando o que falta para completar CC 70. Temos que criar um cadastro geral da miserabilidade, no qual os interessados devem se inscrever para, depois de rigorosa avaliação, receberem os valores a que teriam direito pelo maravilhoso PDEM criado pela senhora, Vossa Reverendíssima (além de puxa-saco era ignorante no uso dos pronomes de tratamento). É claro que para tanto será necessária uma estrutura adequada, o que nos ajudaria a dar emprego aos milhares de comparsas que estão por ai sem fazer nada e que gostariam de um dinheiro extra. Estimo em CC 150 bilhões / ano o total necessário ao bom funcionamento destes novos setores da administração. Se este montante for insuficiente sempre poderemos votar uma verba complementar.

Como estava quase na hora da novela, a proposta foi aprovada por todos. Ela recomendou urgência na implementação destas saneadoras medidas e solicitou ao marqueteiro que desse prioridade à divulgação destas maravilhas da gestão empresarial, afinal a próxima reunião de acionistas está chegando e precisamos garantir o apoio destes imbecis.  

Naquela noite, após jantar, tomar um Cinzano Branco Doce e ouvir La Barca com Luiz Miguel, foi dormir com a consciência tranquila, havia resolvido mais um problema desta tão maltratada corporação.

Bons sonhos, senhora.