segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Não! Mais Uma Biografia Não Autorizada!

Estava cochilando no sofá com a TV ligada, atividade na qual venho me especializando, quando começa a maior algazarra e eu acordo assustado. De repente, como se fosse um ectoplasma querendo reencarnar, meu cachorro, Seu Bosta, entra correndo na sala: Excelência, excelência!... Toda vez é a mesma coisa. Quando quer zoar comigo, o pernóstico animal me chama de excelência, sinal que lá vem gozação ou coisa pior. Desta vez era coisa pior.

Excelência, caso me dê a deferência, gostaria de entrevista-lo. Calmamente, como é do meu feitio, pergunto: Que porra você quer agora, quadrúpede dos infernos, fala logo que estou ocupado. Gosto de chamá-lo de quadrúpede, ele detesta, fica irritado. Estou vendo que o excelência está ocupado mesmo, deve ser algum novo teste para ver o quanto um humano senil consegue babar na almofada enquanto cochila, parabéns você está indo bem.

Manda logo, elemento canino, chega de enrolação, porque você quer me entrevistar? Veja bem mestre, ironizou, quero escrever sua biografia não autorizada e queria checar algumas informações, afinal meus leitores têm direito a um mínimo de veracidade não é? Eu tinha travado no “veja bem”. Sempre que escuto alguém começando uma frase com esta infeliz expressão, meus pelos arrupiam e eu espero por uma mentira deslavada, uma desculpa esfarrapada, uma explicação estapafúrdia, por ai. Ele só disse aquele veja bem pois sabe que eu detesto.

Recuperei-me e indago, matreiro, quem vai se interessar por minha biografia, autorizada ou não, afinal não sou cantor, não sou ator, não sou político, não sou nenhuma celebridade, ninguém me conhece, você vai trabalhar à toa, não vai vender um único exemplar desta obra inútil. Engano seu, responde o espertalhão, pela quantidade de pessoas que gostam de te criticar vai vender como pão quente, como dizem os humanos. E estou me baseando somente em minha pesquisa junto a parentes e amigos. Com uma propaganda bem feita, alguns depoimentos criticando tuas atitudes, algumas entrevistas na TV Globo, acho que vai ser um best-seller, vai bater aquela inglesa que escreveu Harry Potter, conhece?

Conheço, e ela escreveu vários livros, uma verdadeira saga do menino feiticeiro e suas aventuras, as pessoas adoram estas coisas de magia, no meu caso seria diferente. Não tem mágica, só ações destrambelhadas que todo mundo faz. Modesto como sempre, sir, seus destrambelhamentos são de primeira categoria, um primor da estupidez humana, o que não é pouca coisa. Como no caso em que Vossa Magnificência colocou fogo no cesto de roupas na casa de seu avô. Outra vez esta história, ninguém aguenta mais, já devo ter contado mais de cem vezes! Foi só um exemplo, milord, na verdade estou interessado naquelas histórias menos divulgadas, as que causarão surpresa nos leitores. Lembra-se quando perdeu o jogo de compassos de seu pai, que ele adorava e que te emprestou para as aulas de desenho no Estadual de São Paulo? E quando você prendeu o dedo na porta de um táxi lotação que tinha tomado para ir à aula, já que estava atrasado como sempre? E as excursões da molecada da Toledo para roubar erva-doce nas chácaras que havia ao lado da linha do trem, aonde hoje é a Radial Leste? E os rachas na 21 de Abril? Quer que continue?

Como você sabe destas coisas se eu nunca as contei para ninguém? Vossa Eminência esquece que vivo na sua cabeça, e que tudo que você sabe eu também sei? Verdade, concordei derrotado. Mas se sabe tudo que eu sei, não precisa de mim para nada, já tem todas as informações, é só escrever. Nem tanto, querido mestre, nem tanto. Tenho o conhecimento dos fatos ocorridos, mas não das razões que levaram a eles. Qual teria sido sua motivação para cometer esta ou aquela besteira? Isto eu não sei. Na maioria das vezes nem eu, comento resignado.    

Veio-me, então, uma ideia maligna. Agora eu ferro este cachorro, pensei. Seu Bosta, deixei um caderno de anotações na casa de uma amiga e acho que ele poderia ajudar. Vá até lá, diga que está fazendo minha biografia não autorizada e peça o caderno para ela. Ela gosta deste tipo de obra literária, até criou uma associação para ajudar quem escreve estes livros. O nome dela é Paula Lavigne, não esqueça. Pegue um taxi, eu pago.


Desta vez me livro deste Cérbero do Brooklin. 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Mulheres são coletivas.

Quando ela saiu do quarto, eu já tinha levantado há mais de uma hora. Tinha tomado café e colocado a toalha para que ela tomasse. A laranja que descasco diariamente para ela já estava pronta. Quero ver quem vai descascar laranjas na minha falta, ninguém mais sabe fazer isso em casa. Depois de ir ao banheiro lavar o rosto e escovar os dentes ela vem para a sala, me dá o beijo protocolar e dispara: Precisamos fazer mais exercícios.

Lá vem, pensei. Estou acostumado com esta conversa. Toda vez que ela acha que deve fazer alguma coisa, iniciar alguma atividade, mudar algum hábito, ela coloca o assunto no plural. Precisamos. Outro dia foi o precisamos economizar. Porra, o último par de sapatos que comprei o Samello ainda pregava saltos numa sapataria de bairro, a última camisa que comprei o Lacoste ainda jogava tênis. 

Mas as mulheres, ao menos a minha é assim, são coletivas. Tudo deve ser feito em conjunto, não tem perdão. Se você titubear em assumir os novos compromissos, já sabe, é encrenca na certa. Você não liga para nossos problemas, nunca quer fazer o que eu sugiro, não se interessa por nada, só fica neste computador fazendo não sei o que, deve ficar fazendo sexo virtual. A lista é grande:

-precisamos visitar mais minha mãe.
-precisamos emagrecer (a mais perigosa de todas).
-precisamos sair mais com nossos amigos.
-precisamos cumprimentar fulano(a) pelo pelo aniversário.


E por ai vai. Nunca no singular. Vamos lá tirar o tênis do armário para tomar um sol. Estas coisas costumam levar uma semana ou pouco mais. Até vir a próxima “Precisamos...”.