- Robert Redford!
- O que aconteceu com ele, morreu?
- Que morreu, que nada. Ele é o ator que trabalha
com aquela baixinha nariguda que canta “People” naquele filme velho que vimos
outro dia.
- Barbra Streisand. Mas eu gosto mais de “People”
com o Ray Charles.
- Você sempre prefere a versão do Ray Charles, mesmo
de músicas que ele nunca gravou. Lembra da famosa “Here comes the Sun” com ele
que você nunca acha? Então. Mas você está de novo desviando a conversa, que
mania. Lembra outro dia em que víamos um filme e não conseguimos lembrar o nome
do ator? Robert Redford.
- Tenho certeza que já ouvi “Here comes the Sun” com
o Ray Charles, só não lembro onde. Mas vimos este filme faz mais de uma semana,
agora é que você foi lembrar? E o nome do filme, lembrou?
- Ai já é querer demais, nunca vou conseguir lembrar
isto.
Parece comédia, mas é a reprodução de uma conversa comum
de um casal já não tão jovem. As memórias são fugidias e costumam aparecer
muito tempo depois da tentativa de lembrar-se de alguma coisa. Você está quieto
no seu canto e de repente seu cérebro manda: Rivotril; Rua Redenção; Gary
Cooper; Wilson Simonal; Quinua; Carlos Augusto; Mustang Hatchback 68; Jeanne
Moreau; coisas que te assustam, pois não estava pensando em nada daquilo.
Quando vai ver é a resposta a uma pergunta feita ao seu miolo já há muitos
dias. Parece engraçado, mas não é. É assustador.
A Iluminista FGV não oferecia ao seu corpo discente aulas
de Neurofisiologia Aplicada, Estruturas Cerebrais Difusas, coisas assim, nem
como opcionais. Por isso mesmo, minhas opiniões a respeito do funcionamento do
cérebro e adjacências não passam de palpites mal-ajambrados.
Minha teoria é que com o passar do tempo, minúsculos
organismos maléficos (micróbios, vírus, bactérias, estas merdinhas) vão cavando
túneis microscópicos no seu cérebro até formar um intrincado conjunto de caminhos,
becos sem saída, retornos proibidos, curvas abruptas, despenhadeiros fatais. Os
neurônios, curiosos por natureza, vão entrando por estes buraquinhos e se
perdem, tendo muita dificuldade para voltar aos seus lugares de origem. Com
isto, o neurônio responsável por alguma informação não consegue passá-la para o
Departamento de Lembranças no momento da solicitação. Não é que você não saiba,
o neurônio é que está perdido no labirinto dos tais túneis. Quando consegue
voltar ele manda a mensagem, mesmo que alguns dias depois. Isto costuma causar
muita surpresa. Sei que a hipótese é absurda, mas é bem legal, já imaginaram?
Semanas depois sou despertado por uma misteriosa voz
além-túnel:
-
The way we were - Nosso amor de ontem.
Era o nome do maldito filme. Ia acordar minha mulher
para dizer que tinha lembrado, mas achei melhor não. Ela poderia me matar e
alegar legítima defesa de sua sanidade mental. Qualquer juiz daria razão a ela.
Vou contar de manhã. Se eu lembrar, é claro.