sábado, 15 de março de 2014

Labirintos.

- Robert Redford!
- O que aconteceu com ele, morreu?
- Que morreu, que nada. Ele é o ator que trabalha com aquela baixinha nariguda que canta “People” naquele filme velho que vimos outro dia.
- Barbra Streisand. Mas eu gosto mais de “People” com o Ray Charles.
- Você sempre prefere a versão do Ray Charles, mesmo de músicas que ele nunca gravou. Lembra da famosa “Here comes the Sun” com ele que você nunca acha? Então. Mas você está de novo desviando a conversa, que mania. Lembra outro dia em que víamos um filme e não conseguimos lembrar o nome do ator? Robert Redford.
- Tenho certeza que já ouvi “Here comes the Sun” com o Ray Charles, só não lembro onde. Mas vimos este filme faz mais de uma semana, agora é que você foi lembrar? E o nome do filme, lembrou?
- Ai já é querer demais, nunca vou conseguir lembrar isto.

Parece comédia, mas é a reprodução de uma conversa comum de um casal já não tão jovem. As memórias são fugidias e costumam aparecer muito tempo depois da tentativa de lembrar-se de alguma coisa. Você está quieto no seu canto e de repente seu cérebro manda: Rivotril; Rua Redenção; Gary Cooper; Wilson Simonal; Quinua; Carlos Augusto; Mustang Hatchback 68; Jeanne Moreau; coisas que te assustam, pois não estava pensando em nada daquilo. Quando vai ver é a resposta a uma pergunta feita ao seu miolo já há muitos dias. Parece engraçado, mas não é. É assustador.

A Iluminista FGV não oferecia ao seu corpo discente aulas de Neurofisiologia Aplicada, Estruturas Cerebrais Difusas, coisas assim, nem como opcionais. Por isso mesmo, minhas opiniões a respeito do funcionamento do cérebro e adjacências não passam de palpites mal-ajambrados.

Minha teoria é que com o passar do tempo, minúsculos organismos maléficos (micróbios, vírus, bactérias, estas merdinhas) vão cavando túneis microscópicos no seu cérebro até formar um intrincado conjunto de caminhos, becos sem saída, retornos proibidos, curvas abruptas, despenhadeiros fatais. Os neurônios, curiosos por natureza, vão entrando por estes buraquinhos e se perdem, tendo muita dificuldade para voltar aos seus lugares de origem. Com isto, o neurônio responsável por alguma informação não consegue passá-la para o Departamento de Lembranças no momento da solicitação. Não é que você não saiba, o neurônio é que está perdido no labirinto dos tais túneis. Quando consegue voltar ele manda a mensagem, mesmo que alguns dias depois. Isto costuma causar muita surpresa. Sei que a hipótese é absurda, mas é bem legal, já imaginaram?

Semanas depois sou despertado por uma misteriosa voz além-túnel:

- The way we were - Nosso amor de ontem.


Era o nome do maldito filme. Ia acordar minha mulher para dizer que tinha lembrado, mas achei melhor não. Ela poderia me matar e alegar legítima defesa de sua sanidade mental. Qualquer juiz daria razão a ela. Vou contar de manhã. Se eu lembrar, é claro.

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