Sempre me relacionei bem com crianças, e elas comigo. No bom sentido, esclareço, afinal não sou padre nem bispo, cruz-credo. Venho de uma família grande, sempre com uma criança pequena pelo meio, vieram três filhos e agora cinco netos. Pimpolhos nunca faltaram em minha vida, ainda bem.
Netos são um capítulo à parte, imagino que sejam uma espécie de bolsa-velhice que o Todo-Poderoso dá para compensar a juventude que tirou. Tem dias em que a troca vale a pena.
Esta convivência me deu alguma habilidade para cuidar dos pequenos, ficar atento aos perigos, distrai-los com histórias e conversas sem pé nem cabeça que, podem acreditar, eles adoram. Não sei como será à medida que crescerem, mas até agora os truques estão funcionando.
Por isso mesmo minha surpresa. Vinha pela rua quando escutei “Júnior, cuidado, espere a mamãe”. Decerto uma jovem com seu filho pequeno querendo evitar que o mesmo se machucasse, muito bem.
“Júnior olha que é entrada de garagem, pode sair um carro”, “Júnior, não mexa ai que você vai se sujar”, e por ai vai. Chegávamos a um cruzamento e a ordem veio, rápida: “Júnior, espere a mamãe para atravessar a rua”.
Prestativo olhei para trás para ver se a tal criança estava muito distante da mãe, pronto a intervir se julgasse necessário. Fui, então, apresentado a Júnior, um cachorro pequeno, destes fazedores de merda peludinhos e com fitinhas amarradas nas orelhas, recém-saído de algum dos salões de beleza caninos tão comuns hoje em dia. Na outra ponta da cordinha estava uma quarentona de sessenta e poucos anos ligeiramente ofegante pelo exercício forçado e satisfeita com as gracinhas do animalzinho.
Antes de atravessarmos a rua, comentou: “Júnior dá um trabalho, é uma gracinha mas tenho que ficar de olho. O senhor tem cachorro?”. Na verdade tenho um cachorro virtual, chamado Seu Bosta, que uso em algumas postagens no twitter, mas ela não iria entender, então fiz a maldade: “Graças a Deus não”.
Ficou triste, a pobrezinha, e não me dirigiu mais a palavra. Não precisava ter feito isso, mas não me contive. Quem mandou chamar a porra do cachorro de Júnior? Eu, como avô em exercício, estava preocupado com aquele menino que andava atrás de mim e cuja mãe dava, a todo momento, conselhos cuidadosos. Fiquei decepcionado ao ver que não era um menino, não da raça humana pelo menos. Cada um para seu lado e eu pensando “Esta ai deve odiar o marido senão não daria o nome de Júnior para o cachorro”. Distraído, pisei em um resíduo canino deixado, provavelmente, por outro bicho com nome de gente.
Bem-feito, quem mandou ser malcriado.