sexta-feira, 21 de setembro de 2012

22 de Setembro, dia de Maria Clara.


Dia 22 de Setembro é o dia de São Mauricio, que eu nem sabia que existia, e neste dia, como em todos os outros dias, costuma acontecer muita coisa. Gonzaguinha (1945) e Andrea Bocelli (1958) nasceram neste dia. Antonio Conselheiro, o de Canudos, morreu em 22 de setembro de 1897.

Particularmente em 22 de setembro de 1962, nasceu Diogo Mainardi, o Botafogo venceu o Flamengo (3X1) e deu 03.334 (Cobra) na Loteria Federal. Mais particularmente ainda, houve um baile na casa do Eduardinho na praça da biblioteca do Tatuapé.

E foi lá, no sábado 22 de Setembro de 1962 que comecei a namorar Maria Clara.

Cinquenta anos atrás as coisas eram diferentes. Não tinha esta conversa de ficar com alguém, ou você estava namorando uma pessoa ou não estava. E havia um ritual para tanto. Normalmente o rapaz perguntava à moça em questão se ela aceitava namorar com ele. Era um processo pior que vestibular. E o medo de um não como resposta? Mobilizava-se, então, um batalhão de assessores. Um amigo comum fazia sondagens junto a outros conhecidos para avaliar se o convite tinha possibilidade de ser aceito, se a eleita já havia comentado sobre o atrevido pretendente, estas bobagens da adolescência. Mas que era bom, era.

Conosco não foi diferente. Já nos conhecíamos há algum tempo, éramos da mesma turminha, a já comentada Turma do Palacete, frequentávamos os mesmos bailinhos, reuniões dançantes aos sábados ou domingos, sempre na casa de um que tivesse pais mais liberais.

Voltando à casa do Eduardinho, naquele sábado 22 de setembro de 1962 as sondagens tinham sido feitas, aparentemente estava tudo bem, mas nunca se sabe, não é? Naqueles tempos, quase bíblicos, ouvíamos Ray Conniff, Elvis Presley, Pat Boone, Neil Sedaka, Paul Anka e eu gostava de um certo Ray Charles. Ray Conniff toca “La Mer” e eu tiro Maria Clara para dançar. Lá pela metade da música faço o irrecusável convite: Você quer namorar comigo? Silêncio dramático, pausa interminável, e ela: Vou pensar e depois te respondo. O quê!? Isto não estava no script, e agora como é que faz? Terminada a música, cada um para o seu lado, ela para o grupo das meninas e eu para a caverna dos trogloditas. Como é que foi, falou, e ela,...? As meninas eram só risadinhas e olhares para o nosso grupo, acho que para ver se alguém tinha desmaiado. Passado algum tempo, Ray Charles manda “Stella by Starlight” seguida de “Ruby” sem interrupção, novo convite para dançar e a pergunta: Já pensou? Ela responde: Já, eu aceito namorar com você. Que alívio!

Demoramos seis anos e picos para nos casar, já que naquele dia eu tinha dezessete anos e Maria Clara quinze, vejam só. O resto vocês já sabem. Três filhos, cinco netos, muitas peripécias e, como bem definiu minha filha Priscila, várias encarnações depois, continuamos juntos, esta mulher é uma santa.

Uma vez, durante nosso namoro, li numa revista um texto que dizia mais ou menos o seguinte:

“Era uma vez um homem que amava uma mulher. Digamos que este homem fosse eu e esta mulher fosse você, Maria Clara. Então a história seria assim: Era uma vez um homem feliz e obstinado que amava Maria Clara”.

Não tive dúvidas, copiei o texto e levei para a minha Maria Clara, que me achou o gênio das letras. Demorei algum tempo para confessar o plágio e ela, como sempre, relevou minha travessura.

Então fica assim, esta é a história de um homem feliz e obstinado que, depois de cinquenta anos, ama Maria Clara.

Parabéns e Muito Obrigado, Meu Amor!   

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Grande Amigo no Hospital.


Hoje fui visitar meu Grande Amigo no hospital. Depois de alguns dias com fortes dores de cabeça, dificuldades para conseguir realizar os necessários exames mesmo tendo bons planos de saúde, conseguiu ser atendido entrando pelo Pronto-Socorro de um grande hospital. Cutuca ali, cutuca lá, tomografia, ressonância magnética, o diagnóstico: O senhor está com um coagulo pressionando o cérebro e devemos operá-lo imediatamente.

Como assim?! Operação? Achei que vocês iriam me prescrever um analgésico mais forte, repouso, regime alimentar, estas coisas, mas operação? É a única forma de remover o coágulo. Caso esta pressão aumente, o senhor terá formigamentos no braço, dificuldades de coordenação motora e sua capacidade de ler e escrever será muito afetada. Já foi afetada, pensou meu Grande Amigo, tudo que tentei escrever hoje saiu errado e eu não sabia por quê.

Minha Grande Amiga, mulher de meu Grande Amigo não estava com ele e ficou sabendo do diagnóstico por telefone, entrando no previsível pânico imediatamente. Deixou sua mãe de mais de 90 anos em casa, sem contar nada, e passou em casa para pegar algumas coisas e ir para o hospital. O Grande Filho, o primeiro filho do casal de Grandes Amigos, comanda como fazem os filhos nestas horas: A senhora fique ai que estou indo buscá-la e vamos juntos para hospital.

Providências tomadas, cirurgia feita, recuperação em andamento, Maria Clara e eu fomos visitá-lo hoje. Está abatido, como era de se esperar, mas pareceu bem. Gentilmente, como é de seu feitio, contou-me todas as peripécias até a cirurgia e comentou que aguarda os últimos exames para ter alta e voltar para casa. Parecia feliz com nossa visita e nossa Grande Amiga parecia muito cansada, também pudera!

Acho que em nossa vida temos diversos tipos de amigos. Amigos que pensam na gente, mas não nos contam. Amigos que pensam na gente, falam a respeito, mas na hora de agir tem certa dificuldade e os amigos de “Pensamentos, Palavras e Obras”. Mas os Grandes Amigos estão acima destas classificações. Trazem nobreza de alma, elegância nas atitudes, nos dão apoio incondicional mesmo quando não merecemos, aparecem quando você menos espera e mais precisa, são verdadeiras bênçãos em nossas vidas. Assim é este Grande Amigo, o melhor de todos nós, que fui visitar hoje no hospital. Espero que seja a última vez que ele me apronta uma falseta destas, não gostei nada da brincadeira. Ele que não se atreva a ficar doente novamente sem pedir minha prévia autorização. Que eu não darei, é claro.

Um beijo, meu Grande Amigo, recupere-se logo.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O Suicida da Rua Fernandes Vieira.


Fui morar na Rua Fernandes Vieira, no Belém, com doze ou treze anos, não lembro bem. Meus pais quando casaram compraram um sobradinho na Rua Toledo Barbosa e foi lá que nasci e cresci até mudar para a nova casa, que era no mesmo quarteirão, só virar a esquina. O sobradinho tinha ficado pequeno, afinal a esta altura do campeonato já éramos quatro filhos (e depois viriam mais três) e não cabíamos na casa da Toledo. A nova casa era maior, com três quartos, duas salas e até uma garagem na frente, coberta por uma laje, onde meu pai passou a guardar as tranqueiras com as quais transitava – Nashs, Studbakers, Buicks, eventuais Kombis - e que anteriormente ficavam na garagem do Sr. José, um português que tinha um estacionamento no Largo São José do Belém.

Quando nos mudamos a rua ainda era de terra, sem calçamento de paralelepípedos ou asfalto, o que facilitava muito as brincadeiras da molecada, mas fazia muita sujeira já que ficávamos cobertos de pó ou barro até os cabelos para alegria de nossas mães. Minha traiçoeira memória me diz que ficávamos o dia inteiro na rua. Era chegar da escola, comer alguma coisa ligeirinho e cair fora antes que minha mãe me desse alguma tarefa, coisa que eu nem sempre conseguia. Ao que me lembre, eu nunca fiz lição de casa na minha vida.

Tinha moleque a dar com um pau na Fernandes Vieira. Nem todos moravam lá, claro, mas apareciam de todos os cantos pelas facilidades que a rua pouco movimentada oferecia aos praticantes dos diversos esportes olímpicos da época. Futebol, Bolinha de Gude, Malha, Mana-Mula (Carniça, Sela), Taco, Pião, enfim esportes competitivos de alto nível. Os apelidos que colocávamos uns nos outros seriam casos de polícia, hoje em dia. Edison Mãozinha havia nascido com um dos braços e a respectiva mão defeituosos, braço curtinho e mão atrofiada e com poucos dedos, não sei se foi uma das primeiras vitimas da Talidomida. Nagib Turco, de origem árabe, Magid Porcão, que não era palmeirense, só não tomava banho nunca, Zecaolho, um José Carlos vesgo de dar dó e que jogava muita bola, como pode? Orelha, Zé Preto, cada apelido pior que o outro. Estas ONGs politicamente corretas de hoje em dia fariam a festa nos processando.

Durval Viadinho era um menino um pouco mais novo que os demais e saia pouco à rua. Seus pais pareciam ter mais idade que os outros casais e o desinfeliz era tratado a Leite com Pêra, Ovomaltino, Sucrilhos no Prato, estas mordomias. Era mimado demais e, nas poucas ocasiões em que vinha para fora, enchia tanto o saco dos maiores que acabava tomando uns cascudos. Eu mesmo devo ter lhe dado umas porradas uma meia dúzia de vezes. E ai sua mãe entrava em ação, xingando, reclamando com as outras mães, gritando, um inferno, acho que ela não gostava muito do apelido que demos ao seu pimpolho. Nossas mães, por dever de ofício, enchiam nosso saco depois havendo até casos de reclusões temporárias por causa das reclamações da progenitora de Durval Viadinho. Era um capeta aquele moleque.     

Certo dia, ao chegar da escola, vejo o maior salseiro na porta da casa do Durval, ambulância, polícia, toda a vizinhança, a maior bagunça. Acabei sabendo que o pai dele havia tentado o suicídio, o que eu não sabia muito bem o que era. Parece que tinha dado um tiro na cabeça, imaginem só. Os comentários eram os mais diversos, desde análises filosóficas sobre as causas de tão tresloucado gesto até comentários de alguns maledicentes, dizendo que se fossem casados com aquela megera também teriam se suicidado.

Mas o homem não morreu! Análises científicas que circularam entre os jovens comentaristas davam conta que o suicidante havia utilizado munição de calibre inferior ao da arma, provocando folga no tambor e no cano do revólver usado. Isto reduziu muito a força de saída do projétil, tornando-a insuficiente para liquidar a fatura, mas não evitando um grande estrago. Comprei esta versão como boa, já que não sou especialista em balística e achei que havia lógica na explicação.

Depois de algum tempo internado o pobre-diabo voltou para casa e nunca mais saiu. Aparecia na janela de vez em quando, de pijamas, dava uma olhada triste para a rua e voltava para o casulo. Alguns diziam que a bruxa ainda comentava com ele: “Nem para se suicidar você presta!”. A molecada pode ser muito má. Aos poucos o assunto foi para as páginas centrais de nossos interesses e deixamos o caso de lado. O Durval praticamente não saiu mais à rua.

E este foi o evento mais importante que aconteceu na Rua Fernandes Vieira, ao menos enquanto morei lá.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Se Arrependimento Matasse.


De todos os pecados que já pratiquei, e foram muitos – senão todos, talvez o pior seja o da Soberba. Costumava (disse costumava? às vezes ainda costumo) achar que sabia mais do que os outros a respeito de algum assunto ou alguma coisa e não perdia a oportunidade de demonstrar tal opinião. Dava palpites em qualquer tema, sempre visando esclarecer àquele populacho qual era a Verdade, a minha, é claro. Não poupava nada nem ninguém, sabia tudo e procurava espalhar a luz da sabedoria. Quanta empáfia, minha Nossa Senhora dos Humildes.

O pior é que minhas vítimas sempre estiveram entre meus mais queridos amigos e, principalmente, familiares. Meu pai deve ter sido o primeiro sofredor cujo saco enchi durante anos a fio, pobrezinho. Com treze ou quatorze anos comecei a dar palpites nas conversas que ele costumava manter com meu tio Nicola, seu cunhado e amigo, sobre a empresa da família em que ele era um dos sócios, ao lado de meu avô Pepe, meu tio Gaspar e meu tio Isidoro. Imagine só, um bostinha que mal tinha aprendido a amarrar os sapatos ficava achando que a Mecânica Aguilar, a referida empresa, deveria fazer isso, fazer aquilo, o escambau. O que devo ter falado de merda deveria dar para adubar planetas inteiros, e daqueles grandões.

Passados alguns anos, minha pobre sogra ouvia pacientemente minhas opiniões sobre religião, assunto sobre o qual, convenhamos, não sei nada. Opiniões que tinham como objetivo discordar dela, lógico. Meu sogro, também um Soberbo praticante, era escalado para discussões sobre música, literatura, cinema, artes em geral. Neste caso devo admitir que costumava ocorrer o chamado empate técnico, já que um ficava se exibindo para o outro em conversas cheias de ironia e sem nenhum objetivo prático. Irmãos e amigos recebiam palpites, verdadeiras aulas, de como criar e educar seus filhos, que carro comprar, onde morar, e tudo o mais em que eu pudesse meter o bico. Vamos deixar claro, eu era (era?) insuportável, o chamado “Que Puta Metido!”.

Fica aqui meu pedido de desculpas a todos os mártires que sacrifiquei em prol de uma pretensão imensa. Desculpem!

Mas o pior, o que realmente provoca a sensação de “Se arrependimento matasse...”, foram opiniões, nem sempre verbalizadas, sobre a forma de pensar de meu pai a respeito de certos assuntos, desde relacionamentos familiares a dinheiro. Achava o Sr. Raphael ingênuo e excessivamente esperançoso, sempre contando com alguma coisa mágica que fosse tirá-lo de alguma enrascada em que tivesse se metido, voluntaria ou involuntariamente. Do alto da minha ignorância não considerava as reais condições que ele tinha para sair da arapuca. Achava tudo fácil, o imbecil que vos escreve.

Erasmo Carlos tem uma música apropriada a esta temática que diz o seguinte:

“Antigamente, quando eu me excedia, ou fazia alguma coisa errada,
naturalmente minha mãe dizia: - Ele é uma criança, não entende nada...
Por dentro eu ria, satisfeito e mudo. Eu era um homem e entendia tudo.

Hoje só com meus problemas, rezo muito, mas eu não me iludo.
Sempre me dizem quando fico sério: - Ele é um homem e entende tudo...
Por dentro, com a alma atarantada, sou uma criança. Não entendo nada.”

Grande Erasmo, disse-o bem.

Só pude compreender, um pouco, as aflições e desesperos de meu pai quando passei por situações semelhantes e percebi que costumo reagir da mesma forma que ele, sem aquela falsa sabedoria que aparentava quando o nabo não era no meu.

Sr. Raphael, meu querido pai, desculpe-me por todas as bobagens que lhe disse e por aquelas que não disse mas pensei. Um beijo.