terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Pensamentos, palavras e obras.

Quando era moleque havia um negócio chamado “Catecismo”, ao menos para aqueles que vinham de famílias católicas - o que era o meu caso. Verdade que minha mãe, a responsável familiar pelo departamento de Religião, Comportamento e Socialização, não era muito dedicada a esta tarefa, vai ver estava ocupada com outras coisas, sei lá. De qualquer forma fiz o tal “Catecismo”, que preparava o elemento ou elementa para que fizesse a “Primeira Comunhão”, que eu não sabia o que era e me preocupava um pouco. E foi durante as aulas de Catecismo que fui apresentado a um aterrador conceito, os pecados por Pensamentos, Palavras e Obras. Como assim?! Quer dizer que mesmo que você só pensasse uma besteira, mas não fizesse já perdia pontos? E se transformasse tais pensamentos em palavras então, o desconto era maior. Fazer a besteira, as tais obras, eram condenação garantida. Ao menos foi assim que eu, do alto dos meus seis ou sete anos, entendi esse negócio. Tenho medo até hoje.

Mas estes prolegômenos todos foram apenas para dar introdução a um novo uso para o tal “Pensamentos, Palavras e Obras”, sob a ótica da engenharia e das obras públicas. Moro numa rua minúscula, uns cinquenta metros, talvez nem isso. Ela é afluente, à esquerda, da Avenida Padre Antonio José dos Santos e reflui, à direita, na Rua Pensilvânia, importantes vias de nossa comunidade e ambas muito mais caudalosas que a pobrezinha da Carolina do Sul. Digo caudalosas tanto no sentido hidráulico, pois corre muito mais água nas duas vias aqui citadas quando chove, como de trânsito de veículos, com carros, motos e caminhões, parecendo um enxame (matilha, manada?) de salmões enlouquecidos tentando botar seus ovos rio acima, como se vê no Discovery.

Como o Brooklin é praticamente uma estância hidromineral, a água brota sem cessar e provoca o surgimento de buracos novos quase todo dia, uma festa. Fez-se necessária, então, uma obra civil que resolvesse de uma vez por todas o problema dos buracos na confluência da Padre Antonio com a Carolina do Sul. A prefeitura de pronto (com atraso de uns dez anos) enviou uma equipe para resolver tão intrigante problema. E é aí que entra o conceito “Pensamentos, Palavras e Obras”. A equipe está fazendo a tal obra (dez ou quinze metros) há uns dois meses. Chegam lá pelas sete horas da manhã, fazem um puta barulho para descarregar o equipamento, e iniciam o processo de aquecimento da britadeira. Eu nem sabia que isto era necessário. Devem ser uns quinze ou vinte trabalhadores, cada qual com sua atribuição bem definida.

Há os do grupamento dos Pensamentos. São aqueles que passam o dia inteiro sem fazer porra nenhuma, observando o trabalho dos outros, com expressões ora preocupadas, ora satisfeitas. De vez em quando se sentam sob alguma árvore, bloqueando totalmente a calçada, para um lanche ou um cochilo. É o grupo com o maior número de simpatizantes.

Há os que pertencem à divisão das Palavras. São os que, além de não fazerem nada, ficam dando palpites no trabalho dos outros. Olham, olham, e de repente sacam: “Eleutério, esta laje está mal colocada, vai ficar torta”. O pobre Eleutério limita-se a resmungar um singelo “Vá tomar no cu” e continua sua cansativa atividade. O falante não se dá por vencido e prossegue com suas observações sempre úteis e apropriadas. É o segundo grupo em tamanho.

O grupo menor é o da unidade de Obras. São os que pegam no pesado, fazem o serviço. Devemos ressaltar sua dedicação, pois a obra está andando, devagar mas está, apesar de toda a interferência dos grupos anteriores. Segundo minha contagem, não auditada, o grupamento dos Pensamentos representa 50% do contingente. A divisão das palavras representa outros 30% e a unidade das Obras não mais que 20% do total dos recursos humanos alocados à execução desta desafiadora obra civil. Não devemos esquecer que os capacetes usados pelos trabalhadores ostentam cores diferentes, talvez para que possamos distinguir os Pensadores Sênior, os Conversadores Pleno e os Obreiros Júnior. De tempos em tempos aparece uma mocinha bonitinha, de capacete branco, que, suponho, é responsável pelas áreas de Diversão e Entretenimento. Conta piadas, ri junto com o grupo e dá no pé. Já ajudou bastante.


E assim, entendo eu, está criado o Departamento de Engenharia da Prefeitura de São Paulo, setor de Pensamentos, Palavras e Obras. Acho que esta obra ainda vai longe.

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