Não sou um frequentador regular de botecos, nunca
fui. Existem muitos homens que adoram um bar, um boteco, uma padaria, qualquer
estabelecimento onde possam encostar a barriga no balcão, pedir um engasga-gato
ou uma cerveja e trocar umas idéias com outros habitantes deste singular mundo
etílico, com o atendente, com o garçom ou com qualquer vítima que consigam
angariar para suas conversas sem fim. Nada contra os adeptos deste esporte, só
não é minha praia.
Mas nem sempre foi assim. Quando tinha doze ou treze
anos, pouco mais, pouco menos, costumava acompanhar meu pai no trabalho e
depois dele. E o Sr. Raphael era do tipo que gostava de um boteco, ora se era.
E me carregava junto em suas excursões. Foi assim que conheci o Bar Guanabara,
inicialmente na Rua XV de Novembro e depois na Av. São João, entre a Praça
Antonio Prado e o Anhangabaú, o Bar do Léo, na Rua Aurora, entre outros
estabelecimentos de renome entre os pinguços da época. Mas os mais comuns eram
os do Brás mesmo, mais próximos da Mecânica Aguilar e, muitas vezes, no caminho
de casa, o que facilitava as coisas.
O mais visitado era o Bar do Rúbio. Bastava
atravessar a Rua do Gasômetro, local onde estava instalada a Oficina (outro
nome da empresa da família) e pronto, já estávamos lá. Não lembro o nome de
todos os membros da família proprietária do renomado estabelecimento, sei que
havia o pai, o tal Rúbio, um filho e uma filha, que se revezavam no
atendimento. A filha em particular era o motivo do ódio mortal que minha mãe
dedicava ao pobre bar. Tenho impressão que Dona Delmira se achava ameaçada pela
beldade que atendia no balcão e que ouvia, com a dedicação dos comerciantes, às
piadas do meu pai, seus comentários e reclamações. Um perigo reconheço. Mas
posso garantir que Seu Raphael nunca passou dos limites da boa educação e
gentileza. Ao menos não na minha frente.
Havia outro boteco, bem próximo, bastando caminhar
até a esquina, Rua do Lucas se não me falha o neurônio de plantão. Mas não
tinha o mesmo, digamos, apelo, que o Bar do Rúbio, então era reservado para
idas mais fugazes, aquele golpito, como gostava de definir meu progenitor, uma
bicadinha só, e mais nada. E pelo número de adeptos de tão prestigiosa
atividade lítero-esportiva entre os familiares, agregados, associados,
passantes e curiosos, o faturamento deste ramo da economia na região estava
garantido.
Mas eu gostava mesmo era do Bar do Pinto, que não
era no Brás e sim no Pari, na Rua João Boemer se não me engano. Este bar deve
ter sido a origem do apelido “pé-sujo” que alguns botecos com menos cuidado que
o recomendável passaram o ostentar. Tenho a impressão que o dono, Senhor Manoel
Pinto, de óbvia origem lusitana, nunca tinha jogado um balde de água no chão daquela
porra, desde a inauguração, séculos atrás. Os belos ladrilhos e azulejos que um
dia enfeitaram a construção, eram cobertos por uma poeira eterna, indelével.
Mas era o máximo! O Seu...Manoel, era um bom conversador, tinha excelentes
produtos importados e não tinha pressa em fechar seu famoso estabelecimento.
Passávamos horas naquele lugar. Mas o mais legal é que eu era autorizado a
bebericar um pouquinho de um treco chamado Gerupiga, Jeropiga, ou algo assim.
Não tenho certeza que fosse isso mesmo, mas era uma bebida docinha, com
uvas-passas maceradas, uma delícia. Mas só um pouquinho, moleque, que você
ainda não pode beber. As regras eram muito rigorosas, quase sempre. E para
acompanhar, ótimos queijos, tremoços, salames, copas, tudo vindo lá da santa
terrinha para alegria dos convivas. Uma delícia! Este sujão era imbatível.
Não entendam estes escritos como uma crítica ao meu
pai, pelo contrário. Sr. Raphael me mostrou mais do mundo do que eu fui capaz
de fazer com meus filhos, e eu sou muito grato. Na verdade estes registros são
para evitar que o maldito alemão os apague do meu miolo. E para registrar
minhas saudades destes botecos, de meu querido pai e, principalmente, de mim
mesmo.
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