terça-feira, 25 de novembro de 2014

Azul.

Parece que o primeiro que viu a tal nuvem foi um menino de dez ou onze anos e que jogava bola na rua, em frente de casa. Tinha um nome de apóstolo, o menino não a nuvem, Tiago, Lucas, Mateus, Pedro, Paulo, João, não importa. Como havia um mato de eucaliptos perto da sua casa, o menino viu quando começou a subir aquela fumacinha azulada e estranhou. Chamou pelo pai: Pai vem ver um negócio! O pai postergou: Depois eu vou, estou ocupado. Mentira estava com preguiça. Não sabia que não teria tempo de ir depois. O menino continuou jogando seu solitário campeonato mundial de futebol, no qual ele ganhava sempre, e quando olhou de novo a nuvem já não estava mais lá.

A nuvem dirigiu-se para uma praça aonde havia uma estranha construção. Pareciam dois pratos, um em posição normal e o outro emborcado, com um pregador de roupas gigante no meio. Gilvásio, motorista de um cara importante notou aquela coisa azul flutuando, mas pensou: Já vi tanta coisa neste lugar, que nada mais me espanta. E continuou mandando mensagens de texto para a namorada (que a mulher dele não saiba disto). Pobre Gilvásio. E a nuvem foi baixando, baixando, e parou a poucos metros de altura sobre uma rampa que dava acesso a um dos estranhos pratos.

Foi ai que a coisa começou. Um fulano graúdo que estava chegando ao local foi interceptado por um repórter que mandou, na bucha: “Excelência, é verdade que o senhor está envolvido nesta nova roubalheira?”. O excelêncio fez cara de zangado e respondeu: Jamais! Nunca me apropriei de um centavo que não fosse fruto de meu trabalho. Foi ele dizer isso e a nuvem envolveu o entrevistado que começou a ficar azul, primeiro os pés, depois a cor foi subindo e quando chegou à cabeça, o elemento morreu ali mesmo, na rampa. Caralho, exclamou o repórter, matei o homem. Mal ele imaginava que era só o início de uma sucessão de estranhos acontecimentos.

O que poucos sabiam é que aquela era só a primeira de várias nuvens daquele tipo, que tinham surgido não se sabe como. Outra estava de tocaia perto de uma grande agência de publicidade, em outra cidade, na qual se discutia a nova campanha de uma famosa indústria de alimentos para o lançamento de um novo produto, quase todo artificial, mas que por conter menos de 1% de suco de alguma coisa, continha na embalagem, em destaque: “Com suco natural da fruta”. A estagiária bonitinha que estava enfeitando a reunião do diretor da agência com o cliente até perguntou: “Mas isto não é propaganda enganosa?”, o que levou os outros presentes a caírem na risada. Foi a conta. A nuvem penetrou pelos dutos do ar condicionado, tornando o ar da sala levemente azulado, a mesma cor que começou a colorir tanto o diretor da agência como o da indústria, que morreram ali mesmo, feitos bonecos de cera. Azuis, é claro.  

Começaram a chegar notícias parecidas de todos os cantos daquele país. Pessoas morriam dando entrevistas, fazendo reuniões, falando ao telefone, dando explicações descabidas e justificativas improváveis. Tudo azulzinho. Naquela construção dos pratos com o pregador gigante, por exemplo, morreram todos. A bem da verdade, sobrou um rapaz que vendia pipocas em um carrinho na calçada. Era mudo. As nuvens multiplicavam-se, eram milhares, milhões, sumiam e apareciam do nada, de forma inexplicável. Políticos, corretores religiosos, jornalistas, advogados, juízes, médicos, autoridades, líderes de movimentos sociais, dirigentes de partidos, publicitários, todos os que tentaram usar os acontecimentos a seu favor, foram dizimados pela névoa assustadora. Uma menina, as mulheres são sempre mais espertas, avisou: Não pode mentir! Mentiu, morre. Foi um alvoroço. E agora? Ninguém sabia como se comportar, estavam muito acostumados a mentir, o tempo todo.

Foi um massacre, a população daquele lugar foi reduzida a um terço do número original em menos de uma semana. Tiveram que organizar grandes fogueiras para queimar os cadáveres, não havia como dar conta de tantos mentirosos. Mas, pouco a pouco, as coisas foram entrando nos eixos. Com uma população menor o país ficou mais administrável, mais fácil de organizar. Parece até que hoje em dia é uma grande nação. Desconheço o final desta história, vou tentar me informar melhor e depois eu conto.


Já pensou?! Cuidado com O Azul!


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