terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Culpado! Sentencie-se!

Não sei se já comentei aqui, mas sou membro permanente da CPB (Comissão de Política e outras Barbaridades) da AVC – Brooklin. A AVC, como sabem, é a Associação de Velhos Caducos, organização mundialmente conhecida e de alto prestígio. Nosso presidente, Otto, um alemão de quase dois metros, idade incerta entre 95 e 105 anos e que passa o dia tomando cerveja (água ser para marrriquinhas, diz ele), nos incumbiu de fazer uma análise criteriosa e isenta para apontar quem teria sido o responsável pela reeleição de Dona Coisa para mais um mandato, já não bastavam as burradas do primeiro? Quero um nome, ordenou Otto, um único nome. Alguém deve ter sido o maior culpado por induzir esta bugrada (maneira gentil com que ele se refere aos eleitores em geral) a fazer, de novo, esta “Scheiße”. Parece que quer dizer cagada, a verificar.

A CPB reuniu-se rapidamente, isto é, em mais de um mês. Somos cinco membros da tal comissão com dois suplentes para eventuais substituições de última hora, que sempre ocorrem. Um tem que fazer hemodiálise, outro radioterapia, outro esquece a data da reunião, enfim, vocês sabem como são estas coisas. Aberta a sessão iniciamos por avaliar a diferença de votos entre os dois candidatos no segundo turno e verificamos que Dona Coisa teve 54,5 milhões de votos e o Senador Bonitão teve algo como 51,0 milhões, uma diferença em torno de 3,5 milhões, pequena se observarem bem. Seria alguém, uma única pessoa, como queria Otto, ser capaz de provocar tal catástrofe?

Abertas as discussões, Epaminondas, um velhinho de Paraibuna (mijópolis, no dizer de Maia, um nativo de lá que trabalhou comigo) e que mora em São Paulo há mais de 50 anos, queria que responsabilizássemos todo o elenco da Globo. Dizia, coberto de razão, que em função das bocadas que pegam em comerciais do governo, em fundos que conseguem para produzir filmes, peças de teatro e shows musicais vagabundos, nas mais diversas formas de tomarem nosso dinheiro, apoiaram descaradamente a reeleição e eram, portanto, os culpados. Mas Otto queria um único nome, lembramos, e ele teve que retirar sua proposta.

Os debates foram acalorados, apesar das frequentes excursões dos participantes ao banheiro, o que atrapalhava um pouco. Finalmente, o mais brilhante membro da comissão (modestamente), pediu a palavra e mandou:

- Acho que poucas pessoas, famosas ou não, teriam o poder de influenciar os indecisos a votarem naquela mulher. Temos que descobrir quem foi que, entrando nas propagandas finais da campanha, causou tanto estrago. São poucas as unanimidades nacionais, duas ou três no máximo. Ocorrem-me a bunda, a cerveja e Chico Buarque de Holanda!

O “Ohh!!” de espanto foi ouvido em todo o bairro. Surpresos com minhas palavras, os participantes da reunião começaram a discutir a tal possibilidade. Bundas não fizeram propaganda política, ao menos não aquelas às quais vale à pena prestar atenção. Cervejas muito menos, que os empresários da área não são de por a mão em cumbuca. Sobrava Chico Buarque, o gênio da raça, o poeta espetacular, o amado de todas as mulheres, o “Blue Eyes” nacional. Colocada a espantosa descoberta em votação, a concordância foi unânime, ele foi, sim, o culpado pela repetida burrada de colocarem Dona Coisa no Planalto, com os comerciais que gravou nos estertores da campanha, quando aquele partido já estava desesperado e apelava a tudo que era truque. Para que não restasse nenhuma dúvida, submetemos nossa avaliação ao nosso Consultor em Constituição, Justiça, Injustiças e Afins, o famoso Jurisconsulto Dr. LGM, que de forma sucinta, mas exata como é de seu feitio, concordou:

- “Data Vênia, concordo integralmente com vosso veredicto. E digo mais, este veadinho nunca me enganou. Sentencie-se o indigitado elemento”.

Levamos o resultado ao Otto que depois de demorada consideração, durante a qual tomou umas quatro cervejas, disse:

- Aprovado! A partir de agora não mais tocaremos músicas deste senhor aqui em nossa associação, não compraremos seus CDs e livros, não leremos mais suas entrevistas. Passa a ser considerado “persona non grata” na AVC.

Dito isso, recolheu os inúmeros CDs do famoso compositor que faziam parte de nosso acervo, dirigiu-se ao quintal, colocou-os de forma organizada sobre o ralo e despejou sobre eles o resultado das mais de vinte cervejas que havia tomado. Determinou, então, que nunca mais ouvíssemos tal artista, que por força de interesses pessoais, familiares e sabe-se lá o que mais, mesmo ficando mais em Paris do que no Leblon, causou tanto mal a tanta gente, gente humilde, só para ficar com uma de suas letras. É inimaginável que o compositor de “Vai Passar” não tenha aprendido com a própria obra.

E assim, é com imenso pesar, pois Chico foi o responsável pela trilha sonora de minha vida, que lavro aqui a Nota de Censura da AVC, que não mais prestigiará o referido (pela última vez) menestrel. Que o ostracismo lhe seja leve.


domingo, 25 de janeiro de 2015

Escrituras.

“Mantenha seus pensamentos positivos, porque seus pensamentos tornam-se suas palavras. Mantenha suas palavras positivas, porque suas palavras tornam-se suas atitudes. Mantenha suas atitudes positivas, porque suas atitudes tornam-se seus hábitos. Mantenha seus hábitos positivos, porque seus hábitos tornam-se seus valores. Mantenha seus valores positivos, porque seus valores... Tornam-se seu destino”. Mahatma Gandhi.

Acredito piamente nisto. De verdade, mesmo que não consiga praticar os tais pensamentos positivos, acredito que nossa forma de pensar resulta em nosso destino, o que quer que seja isto. O problema é que nunca consegui manter o foco no positivo, nos bons pensamentos, nas idéias otimistas. Conheço pessoas que praticaram estes ensinamentos com bons resultados. Conheço algumas, até, que mudaram para o lado ensolarado da rua durante a vida e melhoraram muito, na forma de pensar e na forma de viver. O problema é comigo, como diria o namorado que quer romper com a namorada e não sabe o que dizer.

Meu miolo sempre desconfiou das idéias muito otimistas, achava sempre que estava faltando alguma coisa, que o tal positivo era só falta de informação. E assim fui pela vida, desconfiando. Talvez se eu tivesse lido os livros certos, frequentado as associações adequadas, tivesse superado este pessimismo. Li muito, mas nem o suficiente, muito menos o necessário. Lembram-se do conceito matemático “Necessário e Suficiente”? É bem legal, quem quiser dá uma internetada ai e vê. Os chamados clássicos só li de forma referencial ou em resumos. Havia, quando eu era adolescente e lia muito, uma coleção chamada “O Tesouro da Juventude”, que meus pais, preocupados com a educação daquele monte de filhos, compraram. E eu li inteirinha. O Tesouro trazia diversos assuntos, resumidos para atender o público ao qual se destinava que iam desde literatura, ciências, atualidades, passando por música, teatro, estas coisas. E assim fui tomando contato com as maiores obras do gênio humano. Mas nunca li Dante Alighieri, Cervantes, Platão, Homero ou Shakespeare no original. Muito menos li a Bíblia, só referências como já disse. Li resumos e li comentários sobre os clássicos em outras obras.

Mas li quase tudo de Charles Bukowski, Gabriel Garcia Márquez, Saramago, alguma coisa de Hemingway, William Faulkner, Henri Miller, Gay Talese, Mario Puzzo, Mario Vargas Llosa, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Hermann Hesse, além de cronistas como Rubem Braga, Nelson Rodrigues, João Ubaldo Ribeiro, entre outros. Muito do que li já esqueci, não sei se isto é bom ou mau. E estes autores não primavam por seu otimismo, longe disto. Uma das minhas maiores influências foi “Sidarta”, de Hermann Hesse. E, a menos que eu não tenha entendido, não se pode chamar de uma obra particularmente positiva. Conformada talvez, mas positiva nunca.

Quanto às associações de pensamento, Maçonaria, Rosa Cruzes e assemelhados, nunca fui convidado a frequentá-las. Meus amigos que por elas habitavam deviam achar que eu não era digno de conhecer os segredos da vida e nunca me convidaram. Deviam estar certos.


Hoje leio muito menos. A internet nos transformou em preguiçosos catadores de manchetes e comentários resumidos, que querem tudo pronto e que, quando a página demora mais do que quinze segundos para abrir já estão bufando. Mas se eu puder dar um conselho aos mais jovens, seria: Leiam. Leiam muito, leiam tudo o que puderem. Há romancistas espetaculares, filósofos perspicazes, ensaístas inteligentes, vai valer à pena. Só procurem se manter do lado iluminado da Força. 

Saudações Jedi!


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Homem Centenário.





Na medida em que me aproximo do meu centésimo aniversário estou ficando com pouca paciência para algumas coisas, a bem da verdade quase todas. Não que a paciência estivesse em lugar de destaque no meu enorme rol de qualidades, mas a coisa está piorando. Antes que alguém diga que estou muito longe dos cem anos, quero lembrar que estou num ponto equidistante entre os quarenta e os cem e como não há volta, caminho, mais ou menos corajosamente, para meu improvável centenário. Estas manifestações de falta de paciência começam assim que ligo o rádio pela manhã em busca de novidades. Logo que ouço os informes sobre os acontecimentos mais recentes, as primeiras entrevistas com qualquer autoridade, as opiniões dos renomados comentaristas a respeito de qualquer assunto, sempre tem algum, um grupo de pensamentos recorrentes começa a ocupar meu miolo. Estes pensamentos aumentam de intensidade quando ligo o computador, dou uma internetada e vejo os destaques dos principais sites, portais, conglomerados, estas bostas. Além das notas sobre celebridades que desconheço totalmente, o que a mocinha injetou nos glúteos, quem está comendo quem, para que emissora vai aquele ou aquela que eu não faço a menor idéia de quem seja, as notícias costumam ser as mesmas que ouvi no rádio, o que reforça minha sensação de desânimo, além do sentimento de déjà vu. Ligar a TV só piora a situação, lá vem tudo de novo. E os pensamentos aparecem, implacáveis:

“puta que o pariu, não é possível que este corno tenha dito isto”; “tomar no cu, seu mentiroso”; “vão roubar assim na casa do caralho”; “meu Deus do céu, mas este cara é mesmo muito filho da puta”; “não é nada disso, seu imbecil”; e por ai vai.

Peço perdão aos sensíveis e eventuais leitoras e leitores, só quis mostrar o que me passa pela cabeça diariamente ao tentar me colocar a par das últimas notícias. Só consigo ver corrupção, bandidagem, estupidez, cagadas diversas, em todas estas mídias que me assolam. Estou ficando cansado disto tudo. Para piorar, minhas listas das coisas que eu gosto, eu posso, eu quero, estão diminuindo a olhos vistos, enquanto seus opostos, isto é as listas do que não gosto, não posso, não quero, aumentam exponencialmente. Nem a música, do que já gostei bastante, representa algum consolo. Aquelas que eu gostei, as velhas, já ouvi tanto que cansei, e das novas não consigo gostar, acho tudo muito ruim. Talvez se eu encontrasse uma atividade educativa que me ocupasse, tricô, crochê, culinária, artesanato, estas coisas, não me aborreceria tanto com assuntos sobre os quais, já sei, não posso fazer porra nenhuma. 


Alguma sugestão?