A CPB reuniu-se rapidamente, isto é, em mais de um mês. Somos cinco membros da tal comissão com dois suplentes para eventuais substituições de última hora, que sempre ocorrem. Um tem que fazer hemodiálise, outro radioterapia, outro esquece a data da reunião, enfim, vocês sabem como são estas coisas. Aberta a sessão iniciamos por avaliar a diferença de votos entre os dois candidatos no segundo turno e verificamos que Dona Coisa teve 54,5 milhões de votos e o Senador Bonitão teve algo como 51,0 milhões, uma diferença em torno de 3,5 milhões, pequena se observarem bem. Seria alguém, uma única pessoa, como queria Otto, ser capaz de provocar tal catástrofe?
Abertas as discussões, Epaminondas, um velhinho de Paraibuna (mijópolis, no dizer de Maia, um nativo de lá que trabalhou comigo) e que mora em São Paulo há mais de 50 anos, queria que responsabilizássemos todo o elenco da Globo. Dizia, coberto de razão, que em função das bocadas que pegam em comerciais do governo, em fundos que conseguem para produzir filmes, peças de teatro e shows musicais vagabundos, nas mais diversas formas de tomarem nosso dinheiro, apoiaram descaradamente a reeleição e eram, portanto, os culpados. Mas Otto queria um único nome, lembramos, e ele teve que retirar sua proposta.
Os debates foram acalorados, apesar das frequentes excursões dos participantes ao banheiro, o que atrapalhava um pouco. Finalmente, o mais brilhante membro da comissão (modestamente), pediu a palavra e mandou:
- Acho que poucas pessoas, famosas ou não, teriam o poder de influenciar os indecisos a votarem naquela mulher. Temos que descobrir quem foi que, entrando nas propagandas finais da campanha, causou tanto estrago. São poucas as unanimidades nacionais, duas ou três no máximo. Ocorrem-me a bunda, a cerveja e Chico Buarque de Holanda!
O “Ohh!!” de espanto foi ouvido em todo o bairro. Surpresos com minhas palavras, os participantes da reunião começaram a discutir a tal possibilidade. Bundas não fizeram propaganda política, ao menos não aquelas às quais vale à pena prestar atenção. Cervejas muito menos, que os empresários da área não são de por a mão em cumbuca. Sobrava Chico Buarque, o gênio da raça, o poeta espetacular, o amado de todas as mulheres, o “Blue Eyes” nacional. Colocada a espantosa descoberta em votação, a concordância foi unânime, ele foi, sim, o culpado pela repetida burrada de colocarem Dona Coisa no Planalto, com os comerciais que gravou nos estertores da campanha, quando aquele partido já estava desesperado e apelava a tudo que era truque. Para que não restasse nenhuma dúvida, submetemos nossa avaliação ao nosso Consultor em Constituição, Justiça, Injustiças e Afins, o famoso Jurisconsulto Dr. LGM, que de forma sucinta, mas exata como é de seu feitio, concordou:
- “Data Vênia, concordo integralmente com vosso veredicto. E digo mais, este veadinho nunca me enganou. Sentencie-se o indigitado elemento”.
Levamos o resultado ao Otto que depois de demorada consideração, durante a qual tomou umas quatro cervejas, disse:
- Aprovado! A partir de agora não mais tocaremos músicas deste senhor aqui em nossa associação, não compraremos seus CDs e livros, não leremos mais suas entrevistas. Passa a ser considerado “persona non grata” na AVC.
Dito isso, recolheu os inúmeros CDs do famoso compositor que faziam parte de nosso acervo, dirigiu-se ao quintal, colocou-os de forma organizada sobre o ralo e despejou sobre eles o resultado das mais de vinte cervejas que havia tomado. Determinou, então, que nunca mais ouvíssemos tal artista, que por força de interesses pessoais, familiares e sabe-se lá o que mais, mesmo ficando mais em Paris do que no Leblon, causou tanto mal a tanta gente, gente humilde, só para ficar com uma de suas letras. É inimaginável que o compositor de “Vai Passar” não tenha aprendido com a própria obra.
E assim, é com imenso pesar, pois Chico foi o responsável pela trilha sonora de minha vida, que lavro aqui a Nota de Censura da AVC, que não mais prestigiará o referido (pela última vez) menestrel. Que o ostracismo lhe seja leve.
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