quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Tchau Raphael, Tchau meu Irmão, Tchau Putzgrila.




Meu irmão Raphael morreu ontem, 25 de outubro de 2016. Quase dois anos lutando com uma doença fatal e ele perdeu esta luta. Estou triste pra caralho. Na verdade já estou muito triste desde maio, quando ele teve o que se achou, de início, que fosse um AVC, e depois se constatou que era uma metástase do câncer de intestino que havia operado há um ano e meio, mais ou menos, desta vez no cérebro. Nova operação, muito pior, sequelas, radioterapia, ele já parecia vislumbrar o que estava para vir. Na convalescência desta segunda operação ele ficou uns dois meses na casa de minha irmã Mirinha e de meu cunhado Marco Antonio, que cuidaram dele de maneira carinhosa e dedicada, e eu o visitava todos os dias para conversarmos. Nestas conversas ele demonstrava grande preocupação com o que estava por vir, para ele e para seus filhos. Eu tentava, de todas as formas, amenizar a situação com brincadeiras e uma conversinha mole, tentando não deixar que ele percebesse minha preocupação, mas acho que não deu muito certo. Do final de setembro para cá ele começou a piorar com novos sintomas e dificuldades. Exames comprovaram o retorno dos tumores, inoperáveis, e de lá pra cá foi declinando rapidamente, até acabar.

Alguém pode dizer que ele não era meu único irmão, e é verdade. Mas tem um negócio interessante na minha cabeça, vê ai. Dona Delmira e Seu Raphael tiveram sete filhos, divididos em dois blocos. No primeiro bloco, eu, a Silvia, a Mirinha e o Raphael. No segundo bloco, com um intervalo de sete anos, o Ricardo, o Alexandre e o Marcelo. Para mim, meus irmãos são os do primeiro bloco, os do segundo são como se fossem meus filhos. A diferença de idade que tenho para os três últimos é grande, treze anos com o Ricardo, quinze com o Alexandre e dezoito com o Marcelo. Tanto assim que fui eu que levei minha mãe ao hospital para ter o Marcelo. Meu pai, ao sair para o trabalho, deixou o carro comigo para alguma emergência e ai, pimba, Marcelo resolveu nascer. Eu já era devidamente habilitado e levei Dona Delmira para a maternidade, uma experiência inusitada, levar a própria mãe para ter um filho.


Irmão é aquele cara com quem você brinca e com quem você briga. É aquele que rouba seu brinquedo e de quem você pega aquele brinquedo que ele mais gosta. Irmão é aquele cara que num dia você ama com todas as suas forças, e no outro você quer matar o desgraçado. Estas emoções, ao menos para mim, foram maiores com os do primeiro bloco. Já os do segundo, que amo da mesma forma, eu levava pra escola, ao barbeiro, para passear, coisas assim meio paternais, dá pra entender?

E quando morre alguma pessoa muito próxima, como o Raphael era para mim, parte de você também morre. Memórias que só vocês dividiam, histórias do que viveram juntos, tudo isso desaparece. E eu e o Faelito, um dos apelidos que ele teve, vivemos muita coisa juntos. Ele me seguiu em muitas coisas. Na turma que eu frequentava, a Turma do Palacete, ele fez parte da segunda geração. Até meu apelido, Magrão, ele herdou, apesar de nem ele nem eu fazermos mais jus a tal alcunha. Passou o diabo nos últimos dez anos. Sua mulher, Rosana, sofreu horrores com uma doença degenerativa que a maltratou por mais de oito anos até leva-la definitivamente. E quem cuidou dela foram meu irmão e seus filhos, com todo o sofrimento que isso representa. Pouco depois do falecimento de Rosana, quando se achava que haveria um pouco de normalidade na vida, surge o câncer de intestino. O resto eu já comentei. Sei que não é disso que se trata, mas o Ito (diminutivo de Faelito) não merecia tudo isso.

Agora é tocar pra frente, sem ele, sem suas lorotas, ele não vai mais tomar cerveja e nem pinga envelhecida no corote, não vai mais fazer moqueca ou algum outro prato que fazia tão bem, era um bom cozinheiro. Não vai mais voltar para Veneza, cidade na qual passou pouco mais de um mês, a trabalho, e pela qual se apaixonou, não vai mais pescar nem ficar na praia conversando com os amigos. Não vai mais mentir dizendo: Vim de Caraguá em menos de duas horas, puta lorota. Tudo isso virou fumaça. Ia contar aqui umas histórias dele, mas não vou, não estou no clima. Sei que não serei o único a sentir a falta dele, mas eu sentirei muita falta.


E o putzgrila, onde entra? Foram as últimas palavras que ele me disse. Fui ficar um pouco com ele no hospital, ele já quase não falava mais nada, e ao sair me despedi com uma expressão que ele usava muito: Tchau Putzgrila. E ele repetiu, Tchau Putzgrila. Foi só. Depois disso, nas outras visitas, nenhuma palavra. Só penso numa frase para terminar esta conversa toda, que é a última de uma prece irlandesa famosa e que minha irmã Silvia gosta muito:

- Até que eu de novo te encontre, que Deus te guarde na palma da mão. Que assim seja.



Tchau meu querido irmão, tchau Raphael, tchau Putzgrila, um beijo. Boa Viagem.

11 comentários:

  1. Lindas palavras....... não nos conhecemos, mas o Raphael foi um grande e importante amigo em minha vida. Que encontre seu caminho de luz que ele fez por merecer. Saudades eternas. Abraços

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  2. Lindo...eu sinto muitissimo. Ate ja Raphael...
    Patricia Macruz

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  3. Lindo...eu sinto muitissimo. Ate ja Raphael...
    Patricia Macruz

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  4. Lindíssimas palavras, muito reais com certeza. Se ele pudesse ler e escrever algo, com certeza seria Putzgrila, meu irmão escreve pra caramba!!! Belíssima despedida!!! Beijos.

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  5. Lindíssima homenagem...fiquei super emocionada...acho que ele diria Putzgrila...arrasou na história da despedida...Fica com Deus Requenga, porque tenho certeza que ele está...

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  6. Quando o sentimento é verdadeiro ele não fica apenas na alma de quem divide, mas também na alma de quem recebe essa partilha.Um abraço, Dacio Oliveira

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  7. Quando o sentimento é verdadeiro ele não fica apenas na alma de quem divide, mas também na alma de quem recebe essa partilha.Um abraço, Dacio Oliveira

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  8. QUERIA TER CORAGEM PARA DESCREVER ASSIM A SAUDADE DO MEU FILHO QUE SE FOI HÁ 9 ANOS!!! ME LEMBRO A TODA HORA AS ÚULTIMAS PALAVRAS DELE COMIGO... 5 MINUTOS DEPOIS UM AVC O DEIXOU EM COMAPROFUNDO; E DAÍ, FUI EU A DIZER PARA ELE,MESMO SABENDO QUE ELE NÃO OUVIA QUE DESCANSASE EM PAZ E QUE EU E O PAI FICARÍAMOS BEM.. SÓ QUE NUNCA MAIS FOMOS OS MESMOS... ESPERO QUE VC SE ACOSTUME SEM SEU MANO; QUE DEUS O AJUDE NESTE MOMENTO DIFÍCIL...

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  9. Putzgrila!
    Que sensacional!
    Amor de irmão paternal, incondicional.
    Linda história que mexe...

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