quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Fazenda Pedra Branca – O Início.

No Gênesis o início foi o Verbo. Na Pedra Branca o início foi a verba. Após tomar posse da propriedade, Seu Aguilar, como meu avô era chamado, começou um ciclo de obras, reformas, plantios, criações, construção de lagos e de tanques, abertura de estradas internas, parecia um imperador romano levando a civilização a algum cafundó dos Judas perdido na barbárie. Já existiam benfeitorias e construções, mas faltava muita coisa. Não havia uma casa principal para a família, só casas de colonos. Ele construiu uma grande sede, com cinco quartos e um banheiro, gostava desta proporção, no alto de uma elevação que havia após um paiol na parte central da área. A casa tinha uma enorme varanda na frente, com uma belíssima vista panorâmica. Além da parte social, existiam diversos quartos de apoio aonde eram guardadas tranqueiras diversas, incluindo um espantoso quartinho das botas, com dezenas de pares, com numeração variada, que ficavam à disposição dos interessados. Precisasse de uma bota era só ir até lá e ver se alguma te servia.


Na frente da casa, descendo em direção à estrada interna, foram feitos três ou quatro terreiros para secagem de café. Nos fundos, atrás da cozinha, foi construída uma área de apoio externa, com pia, fogão à lenha, estas facilidades. Era lá que se matavam os animais que seriam consumidos em alguma refeição festiva. Quando o bicho da vez era algum leitão era uma gritaria danada, quem já viu sabe do que estou falando, uma coisa meio selvagem. Acho que se meus netos vissem isso nunca mais comeriam carne, a molecada de hoje me parece mais assustada que a do meu tempo. Sob a casa, um enorme porão para guardar ferramentas e utensílios agrícolas, até um gerador a diesel já que no início a energia elétrica ainda não chegava lá.


No setor agro-pastoril o homem de La Mancha jogou em todas as frentes. Café, laranjas, gado, porcos, galinhas, um lago especialmente construído para criação de carpas, uma obra para aproveitar uma fonte de água mineral, que chamávamos de biquinha, com um sistema de captação e um pequeno tanque no qual nadávamos eventualmente, numa água gelada para cacete. Andando por lá era possível sentir-se aromas variados, do café, da cana, das laranjas e das diversas espécies de bosta, bovina, eqüina, suína ou galinácea, que eram produzidas por lá. E de onde vinha o dinheiro para tudo isso? Da Mecânica Aguilar, é claro, a única fonte de renda da família. Meu avô ganhou, meu avô estava gastando, afinal a verba era dele mesmo. Ou não. Estes gastos sempre foram motivo para muitas discussões que varavam a madrugada, entre Seu Aguilar e seus filhos. Meu pai tinha uma vocação especial em arrumar os maiores arranca-rabos com o pai dele. Menino atrevido.

A fazenda foi ficando boa e a grana foi acabando, a receita de vendas nem chegava perto dos gastos, sempre muito maiores. Até porque muito do que era produzido era dado aos familiares e amigos, quase uma multidão. Então, havia verba, mas não havia dinheiro, como disse o político mineiro, e começaram os papagaios. Não aquelas aves coloridas e barulhentas, nem aqueles brinquedos de papel e varetas de bambu que as crianças soltam no vento, aqueles mais selvagens, que os gerentes de banco mantêm engaiolados e soltam de vez em quando para pegar os incautos. São papagaios carnívoros. E a fábrica começou a sofrer as conseqüências.

Um lembrete importante: Estas são memórias de quando eu tinha entre dez e quinze ou dezesseis anos, não são confiáveis, portanto. Não entendia o que ouvia, não era capaz de fazer um julgamento razoável, então nada de conclusões precipitadas pessoal, afinal são passados mais de cinquenta anos, muito tempo. Outra consideração: Naquela época, Seu Aguilar teria, mais ou menos, a idade que tenho hoje e me parecia muito velho. Será que meus netos pensam o mesmo a meu respeito?

No próximo episódio desta sensacional saga, as aventuras, desventuras, ocorrências, lendas e traquinagens que fazíamos na Fazenda Pedra Branca, município de Itu, São Paulo, Brasil. Não percam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário