sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Fazenda Pedra Branca – O Meio.

Naquele tempo, enquanto as onças bebiam água, as cobras fumavam e as porcas torciam o rabo, aconteciam coisas na fazenda que, vistas de longe, parecem mentiras. Talvez algumas sejam mesmo, minha memória anda me pregando algumas peças, às vezes lembro-me de coisas que nunca aconteceram, o que chamo de Síndrome da Memória Criativa. Mas aquelas que comentarei a seguir são verdades verdadeiras, como diria a Emília do Sítio do Pica Pau Amarelo, podem acreditar. Em algumas destas ocorrências participei diretamente, como vilão ou como vítima, outras vi acontecer como testemunha ocular e algumas são lendas, histórias que ouvi contar, mas nas quais acredito.

Aiou, Silver! Após minha assustadora estréia no mundo eqüestre, até que me sai bem nestas atividades. Fui pegando gosto pela coisa e acabei virando um cavaleiro bem razoável, até um pouco atrevido. Não sei se havia outros, mas me lembro bem de três cavalos na Pedra Branca, Pingo, Completo e Tordilho. Pingo era um cavalo marrom de baixa estatura, ruim pra danar, vivia tentando morder quem estivesse na sela. Completo era um marchador grandão, perna dura, com um andar incômodo, saltitante, que cansava o motorista. Já o Tordilho era especial. Sei que isto não é nome de cavalo, mas tipo de pelagem, mas era assim que era chamado. Manga larga, acinzentado claro, alto, esbelto, rápido pra danar, era meu preferido. Cheguei a ajudar o Arnoldo a apartar o gado, levando os ruminantes de um pasto para outro, quase um vaqueiro profissional. E Vandré nem tinha composto Disparada ainda.


Sempre que chegava à fazenda uma das minhas primeiras providências era pedir que encilhassem o Tordilho e saia cavalgando, um Cavaleiro Negro de Itu, ao menos na minha imaginação. E como corria aquele bicho, uma beleza. Desembestava por aquelas estradinhas, espalhando poeira para todo lado. Numa ocasião meu primo Marinho estava conosco, passando alguns dias, férias eu acho. Como não sabia andar a cavalo, montou na garupa de Tordilho para que fossemos a algum lugar que não lembro agora. Eu na sela, ele na garupa, fora da sela. Começo a me entusiasmar, a correr, a fazer curvas mais arriscadas, de repente escuto Marinho me chamar, aflito. Uma, duas vezes, ele me chama. Olho para trás e não vejo nada, cadê o Marinho? Presto atenção e ele tinha escorregado para baixo do cavalo e estava, desesperado, segurando com pernas e braços para não cair. Não caiu. Cavalinho bom, aquele, um Pegasus. Depois daquela época nunca mais montei.


Tiro ao Álvaro! Todo mundo tinha algo que atirava naquele hospício. Espingardas e revolveres de diversos calibres, incluindo aquelas de pressão (chumbinho), estilingues e outros artefatos perigosos. Eu tinha um revolver de pressão, daqueles que você dobra o cano, coloca um chumbinho, a mola fica acionada e ai, pimba, você dispara. Andava com aquilo para baixo e para cima atirando em coisas móveis, imóveis, e assemelhados. Entre as besteiras que fiz com aquele treco, a maior foi com minha irmã Silvia. Alguém tinha matado um passarinho, acho que não fui eu, mas não garanto. Ai acendeu-me no miolo aquela luzinha da idéia de jerico e digo: Silvia segure este passarinho pelas pernas, que eu vou atirar nele. Ela ficou assustada, é claro, e perguntou: mas não tem perigo? Claro que não, fique sossegada. Tinha tudo para dar merda, e deu. Acertei o pulso da pobrezinha, que começou a chorar de dor. E nem me denunciou para meu pai, que teria me enchido de bordoadas se soubesse do ocorrido, merecidamente. Obrigado, Silvia e me desculpe.

Estilingues tive vários, de forquilha de goiabeira – os melhores, com borracha cortada de câmaras de pneus, ou de ferro – vendidos na Loja Diana, com borrachas de uso farmacêutico, as chamadas tripa-de-mico. E também fiz muita besteira com eles, quebrei vidros, furei colméias de abelhas – maior burrada, entre outras travessuras. Numa destas acertei minha prima Ângela, pequena ainda, com uma estilingada dolorosa. O pai dela, meu tio Luiz, ao ver a filha chorando começou a gritar comigo, espumando, quase me bateu. Jogou a porra do estilingue no telhado da casa, aquele nunca mais recuperei. Foi justo. Várias facas e canivetes, arcos e flechas, feitos por mim ou comprados, também fizeram parte de meu arsenal. Eu era um perigo ambulante, mas me achava um herói de revista em quadrinhos. Moleque maluco, sô!

No próximo episódio: fogo no morro, a venda na saída do sitinho, o sumiço de comida do armário de minha avó, o Tico quebrou o braço e o que mais eu me lembrar. Não percam. 

Olha ai outros moleques se divertindo no sítio da avó. Que saudades.



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