domingo, 10 de agosto de 2014

Fazenda Pedra Branca – O Fim.

Marchas, contramarchas, fechos e desfechos.


Mais uma com o primo Marinho Linhares. A fazenda Pedra Branca tinha duas paisagens predominantes, lagoas e montanhas. Seis ou sete lagoas, uma porrada de morros, morretes, morrinhos, montanhas, não havia monotonia visual. A maior das lagoas ficava à esquerda de quem entrava pela estrada de acesso e ia para a casa sede. Era de grandes dimensões, tanto que havia até um barco a remo que usávamos para passeios e pescarias. Tinha muita traíra e muito cará, que hoje chamam de tilápia. Ou não é a mesma coisa? Cheguei a pescar uma tartaruga de água doce, um cágado, sei lá, um bicho destes esquisitos e que veio no anzol. Pois então, estávamos eu e o Marinho perto da lagoa, fazendo alguma merda, jogando pedras nos patos talvez, quando reparamos que a jabuticabeira estava carregada de frutos. Devia ser verão, já que estávamos só de calções, indumentária suficiente para dois moleques que iriam sujar-se até os cabelos, ficava mais fácil para nossas mães lavarem a roupa. Da visão das frutas à subida na árvore foi um zupt, e lá estávamos nós comendo jabuticaba no pé. De repente começamos a escutar um zumbido, cuja intensidade foi aumentando. Não sei quem viu primeiro, mas o alerta foi cruel: Abelhas! Havia uma enorme colméia de abelhas na árvore e nós não tínhamos visto. Toca pular fora e correr. Mas não adiantou muito, elas vieram atrás de nós com seus ferrões, um perrengue. A solução foi pularmos na lagoa, só tirando a cabeça da água para respirar e ver se as putelas tinha ido embora. Demorou mas foram, que alívio. Mas ficamos sem as jabuticabas.


O armário da Dona Pepa. Minha avó guardava, cuidadosamente, algumas iguarias das quais meu avô gostava. Latas de aliche, de atum, compotas de frutas, doces, azeitonas, tremoços, alguns vinhos e outras delícias. Para proteger tal tesouro da sanha dos netos e demais esfomeados, ela trancava o armário com uma chave que ficava sob sua guarda, não soltava nunca. Sabia com quem estava lidando. Acontece que meus avós ficavam um tempo na fazenda e de vez em quando passavam um tempo em São Paulo. Em muitas destas ocasiões meu pai ou meus tios iam para lá levando amigos, entre os quais havia alguns quase delinquentes, segundo me lembro. O que faziam os fanfarrões? Soltavam os parafusos da parte traseira do armário, apropriavam-se do que não lhes pertencia, comiam, bebiam, e recolocavam a tampa como se nada tivesse acontecido. Ao voltar minha pobre vó Pepa deparava-se com um dilema. Onde foram parar as coisas que deixei aqui? Acho que ela nunca soube, pobrezinha. Malfeitores!

A venda perto do Sitinho. O Sitinho era uma área que não havia sido comprada no início, pertencia a outras pessoas e só foi adquirida tempos depois, mas nunca perdeu sua identidade própria, sempre foi chamada de O Sitinho, apesar de fazer parte do conjunto Pedra Branca. Saindo-se da fazenda por um caminho que passava por ele, dava-se numa estradinha vicinal que levava a outras propriedades. E lá havia a tal venda. Um pequeno armazém onde os trabalhadores do local compravam alguns gêneros de primeira necessidade e tomavam uma cachacinha, que ninguém é de ferro. Os dois irmãos que cuidavam daquele comércio logo ficaram amigos do meu pai, que tinha muita facilidade em fazer amigos, gostava de uma conversa de bar e de tomar um engasga-gato para abrir o apetite. Acho que algumas vezes foi cavalo quem levou Seu Raphael de volta para casa. Algum tipo de GPS eqüino.   

Fogo morro acima. Dormia-se cedo na Pedra Branca. Não havia televisão e todo mundo ia para a cama lá pelas oito e meia ou nove horas da noite. Já tínhamos deitado quando alguém bateu palmas e começou a chamar: Seu Raphael, Seu Raphael. Meu pai foi ver do que se tratava e eu fui atrás. Um dos empregados contando que tinha começado um incêndio num capão de mato em uma das invernadas em que ficava o gado. Havia risco de um estouro da boiada ou, pior, de algumas cabeças morrerem. Meu pai se vestiu, colocou suas botas e ia saindo quando peço: Posso ir junto? Claro que não, é perigoso e além do mais alguém tem que ficar cuidando de sua mãe e das crianças. Vacilei e acabei ficando. Acho que ele me deu um truque e eu nem percebi. Dá-lhe John Wayne!

Tico quebrou o braço. Em uma das viagens o convidado infantil foi o Tico, meu primo, por parte de mãe, Joaquim Ibitinga, que deve ser um pouco mais novo que meu irmão Raphael, uns sete ou oito anos mais novo do que eu. Brincadeira de crianças vocês sabem como é, só param quando cansam ou quando dá merda. Deu merda. Tico balançava numa porteira, pra lá e pra cá, desequilibrou-se, caiu e quebrou o braço. E agora, o carro não está aqui, voltou para São Paulo e só vem nos pegar na sexta-feira. Vamos de trator, comanda Seu Raphael. Foram buscar o trator, engataram uma carretinha de carregar coisas, onde minha mãe e o Tico embarcaram. Novamente recebo a missão de guardar o forte e evitar que os índios seqüestrem meus irmãos e as outras crianças. Demoraram muito, tratores não costumam ser muito ligeiros, algumas horas. A encrenca começou à noitinha e só voltaram de madrugada, com o Tico exibindo um gesso novinho em folha, para inveja dos demais. Mas a alegria dele durou pouco. Dois ou três dias depois começou a ficar com os dedos roxos, o gesso estava muito apertado. Médico de merda. Toca ao recém-promovido a cirurgião-chefe, Seu Raphael, achar uma serra adequada e remover o maldito torniquete. Foi bem sucedido, lógico, era meu pai.

Mas pouco a pouco comecei a ter outros interesses, não queria mais ir para a fazenda, preferia ficar em casa, ver minha namorada, conversar com meus amigos, coisas de adolescente, esta estranha raça. E minhas viagens para a Pedra Branca foram rareando, até que acabaram. Depois de algum tempo a fazenda foi vendida, a Mecânica Aguilar já não conseguia sustentá-la. Ficaram somente as lembranças.

Acabou-se a história. Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra.






Nenhum comentário:

Postar um comentário