segunda-feira, 10 de agosto de 2015

“Things Change” – Para o bem e para o mal.

Há uns cinquenta anos comecei a trabalhar numa área que se chamava “Processamento de Dados”. Estudava engenharia na Mauá durante o dia e arrumei um emprego à noite no Itaú para garantir um trocado. Chegava por volta das 19 horas e saia meia-noite, pouco mais. Fazia microfilmagem de cheques e outros documentos das várias agências. Era um trabalho estranho, mas divertido. Todos os meus colegas eram universitários com o mesmo problema que eu, conciliar horários de escola com algum trabalho remunerado. Vinham de várias áreas, engenharia, odontologia, economia, e todos estavam lá em caráter temporário, ninguém imaginava fazer carreira no banco, estávamos de passagem. Nas minhas andanças pelo banco, praticamente vazio neste horário maluco, tive contato com um pessoal que manuseava umas máquinas estranhas, enormes, nas quais entravam cartões cheios de furinhos e eram separados de maneira misteriosa em escaninhos diversos. Comecei a conversar com estes profissionais e tive, assim, o primeiro contato com esta coisa de “Processamento de Dados”.

Depois de alguns contatos com pessoas que me ajudaram, vários cursos na IBM, indicações de amigos, iniciei finalmente na área. Uma grande empresa italiana estava montando seu primeiro CPD e contratou algumas pessoas para tanto, eu entre elas. Um Centro de Processamento de Dados era um investimento enorme e um trabalho complexo. Instalações especiais, piso falso para a passagem de cabos, aparelhos gigantes de ar condicionado, máquinas caríssimas, muito espaço, muita gente. Perfuradoras de cartões, conferidoras, classificadoras, unidades de fita magnética, impressoras enormes, só depois vieram as primeiras unidades de disco. Levava-se meses, às vezes anos, para desenvolver e implantar um projeto, que nem sempre funcionava conforme o esperado. Era de lascar. E eu não consigo imaginar uma atividade que tenha mudado tanto nestes anos.


Novas linguagens de programação, novas mídias para armazenamento de dados – os grandes discos magnéticos, o conceito de bancos de dados, a coisa mudava rápido, e a atividade passou a chamar-se “Informática”.

E ai chegou a micro-eletrônica e mudou tudo mais uma vez. Vieram os microcomputadores – os PCs, as novas formas de armazenar informações, as memórias mais baratas, as planilhas eletrônicas, os processadores de texto, e esta coisa começou a se popularizar. Computadores que hoje encontramos em qualquer loja de departamentos são muito mais poderosos que aqueles gigantes de alguns anos antes. O que antes dependia de milhões de dólares para ser feito, passou a ser executado com alguns poucos milhares. Claro que com isto desapareceram funções, pessoas ficaram desempregadas, fábricas fecharam, empresas de apoio idem, todos tiveram que se reciclar. E a atividade passou a chamar-se “Tecnologia da Informação (TI)”.


E ai, pimba, apareceu um negócio maluco que chamam de Internet, e tudo virou de cabeça para baixo.


A comunicação entre pessoas passou a ser fácil, independente da distância, o e-mail permitia o envio de informações de forma quase instantânea para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. E esta tal de Internet começou a ser usada para um monte de coisas, para o bem e para o mal. Surgiram espetaculares ferramentas de pesquisa, afinal precisamos saber onde achar as coisas. A indústria fonográfica foi para o saco, a venda de DVDs foi para o saco, uma nova ordem. A maré tinha mudado. E o comércio mudou. Para que lojas, se posso comprar coisas sem sair de casa? Vejo as ofertas disponíveis no meu computador, faço uma encomenda, pago com o cartão de crédito e recebo a mercadoria em casa. Que beleza. Pessoas perderam o emprego, empresas fecharam, a mesma história de sempre: ou muda, ou morre. 


E ai, um dia um cara deve ter pensado: Porque a gente não junta várias coisas num pequeno aparelho. Telefone, reprodutor de músicas, máquina fotográfica, filmadora de vídeos, gravador de som. Com certeza devem ter dito: Este negócio não vai dar certo, ou ninguém vai querer uma geringônça destas, mas o cara não desistiu e foi em frente. Estica daqui, puxa dali, junta coisas que não são nem parentes, aperta tudo numa caixinha pequenininha e pronto: iPhone. 

E tudo mudou, de novo. Nunca mais gravadores, nunca mais máquinas fotográficas e filmadoras, rádios pra quê? Velhos problemas: pessoas desempregadas, fábricas fechando, o de sempre. Milhões de pessoas passaram a poder fazer coisas que nunca imaginaram ser possível. Quer ligar para alguém? Pode. Quer tirar uma foto? Pode. Quer gravar um vídeo? Pode. Quer escutar música? Pode. Mas, e agora?

Agora, alguns caras pensaram, vamos criar grupos de pessoas interessadas em assuntos semelhantes. Twitter, Facebook, Instagram, vieram nesta maré. E explodiram a cabeça das gentes. Todo mundo querendo mostrar o que estava fazendo, o que estava comendo, quem estava comendo, assuntos antes privados viraram públicos, para delírio da platéia, que agora também participava da peça em andamento. Mas e o lado prático? Pois não, e vieram os chamados APPs, parentes distantes daqueles intermináveis projetos de informática. Não fazemos mais sistemas que atendam a alguma necessidade que alguém diz que tem. Fazemos sistemas que fazem coisas e depois achamos pessoas que queiram fazer estas coisas. Quer chamar uma taxi? Quer pedir uma comida? Quer ver se o ônibus vai demorar? Quer mandar uma mensagem sem pagar pelo serviço da operadora de telefonia? Epa!

Ai eu leio uma entrevista do presidente da maior operadora de telefonia celular do país dizendo que tal aplicativo é pura pirataria. Claro né, Mané! Está perdendo faturamento, vai espernear mesmo. Mas não vai adiantar. Se segura na poltrona, que vai chacoalhar muito mais. Mas acontecem coisas não previstas. Todo mundo vira repórter, cinegrafista, articulista. Nada mais instantâneo que um cara com um celular passando no momento em que ocorre um acidente. Foto, postagem no Facebook e no Instagram, amigos compartilhando. Pronto. Pronto, fodeu, pensam os que trabalham em jornalismo. O que antes era uma atividade fechada, exclusiva dos que estavam em alguma empresa da área, abriu, qualquer um pode entrar.

Onde isto vai parar? Não sei, não faço a menor idéia. A tecnologia serve ao bom e serve ao mau. Salva uma vida e planeja um assalto ao banco. Manda uma mensagem de consolo e manda uma mensagem difamatória. Tecnologia não tem caráter, tem possibilidades.

E para que esta arenga toda? Para nada, só me deu vontade de registrar o que vi e vivi. Acho que a única coisa que fica deste assunto é que as coisas mudam, sempre.


Muda ou morre. 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Imigrantes





A menos que você seja um nobre representante dos “Povos da Floresta”, todos nós, de uma maneira ou de outra, descendemos de imigrantes. Portugueses, Italianos, Espanhóis, Japoneses, Alemães, Árabes, Judeus, as origens são as mais diversas, mas a situação deve ter sido sempre semelhante. Diante de problemas terríveis em seus países de origem, sem saber o que fazer, sem perspectivas para viver e sustentar mulher e filhos, agarravam-se à esperança de uma vida melhor num local distante e misterioso, do qual não sabiam quase nada. Aceitavam afastar-se de suas famílias, de seus amigos, dos locais que conheciam, para tentar a sorte.

Chegavam assustados, muitas vezes sem conhecer a língua falada no local de destino, sem dinheiro, com algumas poucas roupas em suas malas, tendo somente a fé para ampará-los. Devia ser uma coisa assustadora. O que levaria um homem a chegar em casa e gritar: Mulher! Arrume as malas, coloque todas as nossas coisas, lave os pés das crianças, coloque os sapatos e a roupa de domingo nelas, que vamos viajar. Para onde vamos, perguntava ela? Para o Brasil. Brasil?! E por acaso conheces alguém lá, Manoel (ou Manolo, ou Giuseppe, ou Kwanjiro, ou outro nome que queiram)? Ninguém. E quando voltaremos? Após um breve silêncio, a resposta: Nunca!

Toda vez em que penso em exemplos de coragem, são estes homens e mulheres que me vem à mente. Nada de astronautas, com uma enorme retaguarda tecnológica e financeira, nem exploradores, alpinistas ou surfistas de grandes ondas, todos com patrocinadores e equipes de apoio. Os imigrantes não tinham retaguarda nenhuma, eram só eles e olhe lá. Isto sim era um salto no escuro. Para os que atualmente ainda precisam fazer isso (Africanos, Haitianos, Palestinos, Sírios, etc.) continua sendo a mesma coisa, a mesma incerteza, o mesmo medo.

E foram para as fábricas, para as fazendas, moraram em cortiços, suaram para ganhar a vida na nova terra, mas nunca desistiram. Criaram filhos e filhas, e seus filhos lhes deram netas e netos, brasileiros. Muitos destes descendentes de imigrantes não fazem idéia das aventuras que seus antepassados tiveram que enfrentar para lhes dar as oportunidades que não teriam em outras paragens.

Assim, quando você quiser pensar em alguém destemido, corajoso, aventureiro, esforçado, não pense em atletas contemporâneos, em desbravadores patrocinados, em profissionais que vivem do risco, pense em seus avós ou bisavós. Estes sim foram pessoas destemidas, às quais devemos render nossas homenagens.

Rendo minhas homenagens ao José (Pepe) e à Josepha (Pepa), que vieram de Granada, Andaluzia, Espanha, com uma filha bebê e emendaram mais nove filhos por aqui. Rendo minhas homenagens ao Joaquim e à Ana, que vieram de Vila Real, Trás Dos Montes, Portugal, neste caso já trazendo as quatro filhas mocinhas, Mariquinhas, Delmira - minha mãe, Alzira e Augusta.


Orgulhe-se dos seus imigrantes, eu me orgulho muito dos meus.

sábado, 2 de maio de 2015

Tipos Urbanos – Os Empata-Foda.

Todos sabemos que as grandes cidades são propícias ao aparecimento dos mais variados tipos, desde os aparentemente normais aos mais tresloucados indivíduos. Muitas vezes confundimos um tipo com outro, o que nem sempre é apropriado. Nem todos fazem a correta distinção entre o “popular” e o “transeunte”, por exemplo. O popular é aquela pessoa que, mesmo não tendo sido chamada, acaba participando de alguma ação ou evento, por um ato de vontade. Vejam o caso de uma tentativa de suicídio, por exemplo. O elemento ou elementa sobe no parapeito do 15º andar de um prédio e ameaça pular. Logo forma-se um ajuntamento de pessoas para observar o fato. Estes são os legítimos “populares” e assim serão descritos nas reportagens a respeito do acontecimento. Alguns gritarão “não faça isso, pense em sua família”, outros exclamarão “pula, pula, pula logo porra!”. Cada uma participará do caso à sua maneira, mas será um ato de vontade. Já o transeunte será aquele que passando distraidamente pelo mesmo local, cai-lhe um já quase defunto na cabeça, matando-o também. Aparecerá nos noticiários como “um transeunte que passava foi atingido pelo suicida”. Entenderam a diferença?

Mas eu gostaria de falar sobre um tipo urbano que me parece cada vez mais frequente, talvez por conta de minha crescente impaciência. Os famigerados “Empata-Foda”, doravante simplesmente designados “Empata”. É um elemento perigoso já que sua identificação nem sempre é muito fácil. Pode ser mulher, homem, criança, uma pessoa comum de qualquer idade, apesar de notar-se um grande número de idosos entre seus militantes.

Aquela velhinha simpática na fila do banco pode ser uma radical empatadora. Conversa com as pessoas na fila, da qual reclama como todo mundo, mas quando chega sua vez de ser atendida, pronto. Saca de sua bolsinha um enorme conjunto de documentos, contas a pagar, carnês vencidos a serem recalculados, um inferno. Não sei como cabe tanta coisa numa bolsa tão pequena. E ainda vira-se para trás e comenta com suas vítimas: Meus filhos sempre me pedem para vir ao banco para fazer seus pagamentos, já que uso a fila preferencial e não tenho nada para fazer em casa. Pode esperar, o atendimento desta bruxa vai levar quase o dia todo, melhor trocar de fila.



Outro local de grande afluência destes irritantes personagens é o supermercado. Normalmente o legítimo “Empata” anda pelo supermercado com um ar perdido, parece que não sabe o que quer. Acho que não sabe mesmo. Pega uma ou duas coisas, vai para a fila do caixa e quando chega sua vez começa um interminável diálogo com a atendente. Pode conferir o preço deste shampoo, minha filha, acho que está em oferta. Ao ser informada do preço, reclama: Mas não é o que está marcado na etiqueta da prateleira. Você pode mandar o rapazinho conferir? Claro que a caixa pode, e a fila cresce. Quando o menino volta e informa que o preço que ela esperava é de outro produto, fica pensando se leva ou não o que havia colocado no carrinho. Após longo debate consigo mesma, resolve fazer sua compra. Fechada a compra, abre a bolsa, procura lá dentro uma indescobrível carteira na qual há uma carteirinha, tira uma nota de R$ 100,00 (tivesse uma de US$ 100,00 ela daria) e pede “Você troca para mim, querida?”. A querida olha aquela compra de R$ 6,39 ou algo assim e devolve a pergunta: “A senhora não tem mais trocado?”. Ela fuça de novo na bolsa e na carteira para responder o esperado “não”. A caixa chama a supervisora para fazer a troca do numerário, cobra a compra da perigosa senhora e quando você acha que acabou lá vem: “Mas você não vai me dar uma sacolinha?”. Novo debate, mais demora, você já conhece o roteiro.


Há vários subtipos desta numerosa categoria. O cara que anda muiiito devagar com o carro, procurando uma vaga que não existe. A pessoa que, para ajudar, leva todas suas moedas para pagar suas compras. Claro que a maioria é de R$ 0,05 ou R$ 0,10, o que resulta numa pilha de metal mais pesada que um Monza 1998. E tome fila, enquanto a contagem é realizada. Agora, perigosas mesmo são as pessoas habitués do estabelecimento, que conhecem todo mundo e não tem porra nenhuma para fazer. Ao empatar com uma das ações acima descritas, quando você acha que finalmente aquele martírio vai acabar, ela (ou ele) manda para a caixa: “E sua mãe, melhorou?”. Ai fodeu!       

terça-feira, 7 de abril de 2015

Cinemas do meu tempo.




Gosto de cinema como já devem ter percebido. A chamada sétima arte, por mim, poderia ser a terceira, logo após a música e a literatura (sei não, talvez aqui haja um empate). Já assisti a milhares de filmes, mas hoje quero falar das salas de projeção. Acreditem ou não os mais jovens, já houve cinemas fora de Shopping Centers. Todo bairro tinha ao menos um, os mais velhos talvez se lembrem disso é só puxar pela memória, mas não façam muita força para não espanar, cuidado.


Do centro da cidade lembro-me do Art-Palácio, do Metro, do Paissandú, do Rivoli, do Marabá, do Marrocos, do O Lido, do semi-pornográfico Jussara – o único com ar-condicionado, do Coral, conheci todos, mas como sou da ZLP (Zona Leste Próxima), aterei meus comentários aos desta região da cidade, sem desmerecer aqueles dos outros bairros.

Zona Leste Próxima é uma designação geográfica que acabei de inventar para designar os bairros do Brás, Belém e, vá lá, Tatuapé, por onde eu circulava mais e são mais próximos do antigo centro da cidade, a Praça da Sé e a falecida Praça Clóvis Beviláqua. O bairro do Pari, que também conheci um pouco, é vizinho do Brás e do Belém, mas eu o considerava um preâmbulo da Vila Maria, início da misteriosa Zona Norte. Os desconhecidos bairros da Penha, Vila Formosa, Vila Matilde e demais da região podem ser considerados Zona Leste Média, já os longínquos Itaquera, Guaianazes e outros quase subúrbios pertencem ao Extremo da Zona Leste. Na época achava que São Miguel era em outro planeta. Ainda acho.


Mas estou divagando, vamos ao ponto: cinemas.

Da Praça Clóvis ao Belém, pouco mais de sete quilômetros, havia ao menos cinco ou seis cinemas, imaginem. Contando:

Rua de Gasômetro – Cine Glória, com um balcão superior que permitia que os meninos cuspissem em quem estava embaixo.

Av. Rangel Pestana – Cine Piratininga, cujo slogan era "A maior sala de cinema do Brasil" (ou seria do mundo?).

Av. Celso Garcia – Cine Universo de um lado e Cine Roxy do outro, ambos próximos da Rua Bresser, um antes e outro depois. O Roxy era de uma elegância formal, tradicionalista. Mas o Cine Universo tinha uma característica única. Como as sessões costumavam ser duplas, isto é, assistia-se a dois filmes em seguida, no intervalo entre eles um mágico mecanismo abria o teto da sala e aparecia o céu, coisa muito original. Antes que alguém pergunte: E se chovesse? Neste caso o teto não era aberto, lógico.   


Só no Belém, um bairro pequeno, tínhamos duas destas casas de espetáculo, digamos assim. No Largo São José do Belém havia o Cine São José e na parte mais nobre do bairro, se é que isto existia, havia o Áster na Rua Marquês de Abrantes, cujo nome foi mudado para Ibéria quando os padres que fundaram o Colégio Agostiniano compraram o imóvel, espanhóis que eram. Pouco tempo depois foi fechado e o espaço foi incorporado ao colégio. Lembro-me que havia em ambos uma cortina de proteção da tela, que era içada ao início das sessões. Nesta tal cortina existiam propagandas das casas comerciais do bairro, alfaiates, sapatarias, bazares, padarias, costureiras, escolas, uma profusão de coisas. Não tinha muito espaço para os publicitários da época encherem nosso saco, mas era um pouco monótono, sempre as mesmas coisas.

Nestes cinemas vi meus primeiros filmes.


O São José, nas matinês de domingo, apresentava um seriado entre os filmes principais, Hopalong Cassidy, Durango Kid, estas coisas. Era uma estratégia infalível para atrair a molecada para estas sessões, já que ninguém queria perder o próximo episódio, saber como o mocinho iria escapar daquela terrível armadilha. Mas eu não ia sempre, ou por falta de grana ou por falta de autorização, ou por falta das duas. Conta a lenda que, justamente numa das vezes em que não fui, Rogério Papel, apelido derivado de sua magreza, havia fugido de casa para ver seu seriado preferido e tinha levado seu estilingue. No auge da ação do seriado, quando o vilão estava prestes a matar o mocinho, Rogério saca de sua arma e sapeca certeira pedrada no malvado. Foi a conta, a tela abriu-se toda a partir do furo vingador e impossibilitou a continuidade da sessão. Um fuzuê. Como não vi, não posso jurar que foi assim mas que a lenda é boa, isto é.

Tempo bom aquele.


quinta-feira, 2 de abril de 2015

Receita para saber se um filme é um legítimo Western.



Recomendação Inicial.

Abra o link abaixo para ler enquanto ouve a trilha sonora. Ao menos a música é boa (o vídeo também é bem legal).








- Há cavalos no elenco. Não me refiro aos mal-educados em geral, também conhecidos por cavalgaduras, mas sim aos animais equinos verdadeiros. Mas cuidado, há outros filmes com cavalos. Bucólicas cavalgadas em campos na Inglaterra, filmes sobre superação, seja de pessoas seja dos animais, alguns filmes pornôs da pesada. Então a presença de cavalos é um sinal necessário, mas não suficiente para reconhecer um Western. Se ao lado da sela existir um rifle Winchester em uma bolsa específica é um bom sinal.



- Muitos dos personagens do filme cospem inclusive o protagonista. Não são simples cuspidas sem motivo, são enormes cusparadas motivadas (ou não) pelo hábito de mascar fumo. Clint Eastwood passa mais da metade do filme "Josey Wales, o Fora da Lei." cuspindo, um volume impressionante. Mas novamente, cuidado. Em filmes sobre Baseball também se cospe bastante. Verifique se não há bastões, bolas, luvas estranhas e gente correndo. Se houver é sobre Baseball, não é western.



- As pessoas andam armadas. Mais uma vez, atenção. As armas geralmente restringem-se a revólveres 45 em coldres pendurados em cintos afivelados na cintura e em rifles de repetição Winchester 44, com acionamento por alavanca na parte inferior da arma. Qualquer outro recurso bélico deve ser considerado suspeito e talvez faça parte de algum destes filmes moderninhos de aventuras, tais como Duro de Matar, James Bond, Máquina Mortífera, estas merdas, ou filmes de ação com o Schwarzenegger ou o Stallone, que nunca fizeram um faroeste na vida.

- Índios são opcionais. Só costumam aparecer em filmes mais antigos, nos quais morriam de montão. Com o advento do pensamento politicamente correto pararam de morrer, mas também perderam os cachês já que não aparecem mais.

- Se o protagonista cantar ou dançar NÃO É WESTERN! Mocinho não canta nem dança, onde já se viu!

- Não há automóveis, a não ser em raríssimas e breves aparições de modelos muito antigos do fim do século 19 ou início do século 20. O meio de transporte é o cavalo. Muito raramente o herói pode dirigir uma carroça, mas com fins específicos. Charretes nem pensar.

- Todos só tomam whisky, que aparece em duas formas. O mata-rato que o barman serve para todo mundo e o melhorzinho que fica sob o balcão e só aparece em momentos especiais. Ocasionalmente pode ser consumida uma cerveja. Água só para as cenas em que o herói está perdido no deserto e aparece alguém para salva-lo. 

- Lembrete aos atores que poderiam se interessar pelo papel de amigo do mocinho: este personagem geralmente morre.

- Não costumam haver grandes dúvidas existenciais neste tipo de filme. Há o Bem e há o Mal, que se enfrentarão em uma batalha, duelo ou não, final. Imagine quem vence.

Acredito que estas indicações sejam suficientes para a correta identificação de um Western verdadeiro. Se restarem dúvidas voltarei a tão palpitante assunto, apesar de achar que estas informações não despertarão o interesse dos eventuais leitores. Westerns saíram de moda há muito tempo. Só os mais saudosistas ainda apreciam o gênero, e tem que se conformar com reprises de filmes velhos. Kevin Costner, às vezes, ainda arrisca uma produção destas (Pacto de Justiça) ou aparecem obras como o filme Appaloosa, com Ed Harris e Viggo Mortensen. Até Clint Eastwood, o último grande ator desta espécie de filme já os abandonou e hoje prefere dirigir outro tipo de produção. Mas talvez continue cuspindo. Quem sabe?  



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Culpado! Sentencie-se!

Não sei se já comentei aqui, mas sou membro permanente da CPB (Comissão de Política e outras Barbaridades) da AVC – Brooklin. A AVC, como sabem, é a Associação de Velhos Caducos, organização mundialmente conhecida e de alto prestígio. Nosso presidente, Otto, um alemão de quase dois metros, idade incerta entre 95 e 105 anos e que passa o dia tomando cerveja (água ser para marrriquinhas, diz ele), nos incumbiu de fazer uma análise criteriosa e isenta para apontar quem teria sido o responsável pela reeleição de Dona Coisa para mais um mandato, já não bastavam as burradas do primeiro? Quero um nome, ordenou Otto, um único nome. Alguém deve ter sido o maior culpado por induzir esta bugrada (maneira gentil com que ele se refere aos eleitores em geral) a fazer, de novo, esta “Scheiße”. Parece que quer dizer cagada, a verificar.

A CPB reuniu-se rapidamente, isto é, em mais de um mês. Somos cinco membros da tal comissão com dois suplentes para eventuais substituições de última hora, que sempre ocorrem. Um tem que fazer hemodiálise, outro radioterapia, outro esquece a data da reunião, enfim, vocês sabem como são estas coisas. Aberta a sessão iniciamos por avaliar a diferença de votos entre os dois candidatos no segundo turno e verificamos que Dona Coisa teve 54,5 milhões de votos e o Senador Bonitão teve algo como 51,0 milhões, uma diferença em torno de 3,5 milhões, pequena se observarem bem. Seria alguém, uma única pessoa, como queria Otto, ser capaz de provocar tal catástrofe?

Abertas as discussões, Epaminondas, um velhinho de Paraibuna (mijópolis, no dizer de Maia, um nativo de lá que trabalhou comigo) e que mora em São Paulo há mais de 50 anos, queria que responsabilizássemos todo o elenco da Globo. Dizia, coberto de razão, que em função das bocadas que pegam em comerciais do governo, em fundos que conseguem para produzir filmes, peças de teatro e shows musicais vagabundos, nas mais diversas formas de tomarem nosso dinheiro, apoiaram descaradamente a reeleição e eram, portanto, os culpados. Mas Otto queria um único nome, lembramos, e ele teve que retirar sua proposta.

Os debates foram acalorados, apesar das frequentes excursões dos participantes ao banheiro, o que atrapalhava um pouco. Finalmente, o mais brilhante membro da comissão (modestamente), pediu a palavra e mandou:

- Acho que poucas pessoas, famosas ou não, teriam o poder de influenciar os indecisos a votarem naquela mulher. Temos que descobrir quem foi que, entrando nas propagandas finais da campanha, causou tanto estrago. São poucas as unanimidades nacionais, duas ou três no máximo. Ocorrem-me a bunda, a cerveja e Chico Buarque de Holanda!

O “Ohh!!” de espanto foi ouvido em todo o bairro. Surpresos com minhas palavras, os participantes da reunião começaram a discutir a tal possibilidade. Bundas não fizeram propaganda política, ao menos não aquelas às quais vale à pena prestar atenção. Cervejas muito menos, que os empresários da área não são de por a mão em cumbuca. Sobrava Chico Buarque, o gênio da raça, o poeta espetacular, o amado de todas as mulheres, o “Blue Eyes” nacional. Colocada a espantosa descoberta em votação, a concordância foi unânime, ele foi, sim, o culpado pela repetida burrada de colocarem Dona Coisa no Planalto, com os comerciais que gravou nos estertores da campanha, quando aquele partido já estava desesperado e apelava a tudo que era truque. Para que não restasse nenhuma dúvida, submetemos nossa avaliação ao nosso Consultor em Constituição, Justiça, Injustiças e Afins, o famoso Jurisconsulto Dr. LGM, que de forma sucinta, mas exata como é de seu feitio, concordou:

- “Data Vênia, concordo integralmente com vosso veredicto. E digo mais, este veadinho nunca me enganou. Sentencie-se o indigitado elemento”.

Levamos o resultado ao Otto que depois de demorada consideração, durante a qual tomou umas quatro cervejas, disse:

- Aprovado! A partir de agora não mais tocaremos músicas deste senhor aqui em nossa associação, não compraremos seus CDs e livros, não leremos mais suas entrevistas. Passa a ser considerado “persona non grata” na AVC.

Dito isso, recolheu os inúmeros CDs do famoso compositor que faziam parte de nosso acervo, dirigiu-se ao quintal, colocou-os de forma organizada sobre o ralo e despejou sobre eles o resultado das mais de vinte cervejas que havia tomado. Determinou, então, que nunca mais ouvíssemos tal artista, que por força de interesses pessoais, familiares e sabe-se lá o que mais, mesmo ficando mais em Paris do que no Leblon, causou tanto mal a tanta gente, gente humilde, só para ficar com uma de suas letras. É inimaginável que o compositor de “Vai Passar” não tenha aprendido com a própria obra.

E assim, é com imenso pesar, pois Chico foi o responsável pela trilha sonora de minha vida, que lavro aqui a Nota de Censura da AVC, que não mais prestigiará o referido (pela última vez) menestrel. Que o ostracismo lhe seja leve.


domingo, 25 de janeiro de 2015

Escrituras.

“Mantenha seus pensamentos positivos, porque seus pensamentos tornam-se suas palavras. Mantenha suas palavras positivas, porque suas palavras tornam-se suas atitudes. Mantenha suas atitudes positivas, porque suas atitudes tornam-se seus hábitos. Mantenha seus hábitos positivos, porque seus hábitos tornam-se seus valores. Mantenha seus valores positivos, porque seus valores... Tornam-se seu destino”. Mahatma Gandhi.

Acredito piamente nisto. De verdade, mesmo que não consiga praticar os tais pensamentos positivos, acredito que nossa forma de pensar resulta em nosso destino, o que quer que seja isto. O problema é que nunca consegui manter o foco no positivo, nos bons pensamentos, nas idéias otimistas. Conheço pessoas que praticaram estes ensinamentos com bons resultados. Conheço algumas, até, que mudaram para o lado ensolarado da rua durante a vida e melhoraram muito, na forma de pensar e na forma de viver. O problema é comigo, como diria o namorado que quer romper com a namorada e não sabe o que dizer.

Meu miolo sempre desconfiou das idéias muito otimistas, achava sempre que estava faltando alguma coisa, que o tal positivo era só falta de informação. E assim fui pela vida, desconfiando. Talvez se eu tivesse lido os livros certos, frequentado as associações adequadas, tivesse superado este pessimismo. Li muito, mas nem o suficiente, muito menos o necessário. Lembram-se do conceito matemático “Necessário e Suficiente”? É bem legal, quem quiser dá uma internetada ai e vê. Os chamados clássicos só li de forma referencial ou em resumos. Havia, quando eu era adolescente e lia muito, uma coleção chamada “O Tesouro da Juventude”, que meus pais, preocupados com a educação daquele monte de filhos, compraram. E eu li inteirinha. O Tesouro trazia diversos assuntos, resumidos para atender o público ao qual se destinava que iam desde literatura, ciências, atualidades, passando por música, teatro, estas coisas. E assim fui tomando contato com as maiores obras do gênio humano. Mas nunca li Dante Alighieri, Cervantes, Platão, Homero ou Shakespeare no original. Muito menos li a Bíblia, só referências como já disse. Li resumos e li comentários sobre os clássicos em outras obras.

Mas li quase tudo de Charles Bukowski, Gabriel Garcia Márquez, Saramago, alguma coisa de Hemingway, William Faulkner, Henri Miller, Gay Talese, Mario Puzzo, Mario Vargas Llosa, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Hermann Hesse, além de cronistas como Rubem Braga, Nelson Rodrigues, João Ubaldo Ribeiro, entre outros. Muito do que li já esqueci, não sei se isto é bom ou mau. E estes autores não primavam por seu otimismo, longe disto. Uma das minhas maiores influências foi “Sidarta”, de Hermann Hesse. E, a menos que eu não tenha entendido, não se pode chamar de uma obra particularmente positiva. Conformada talvez, mas positiva nunca.

Quanto às associações de pensamento, Maçonaria, Rosa Cruzes e assemelhados, nunca fui convidado a frequentá-las. Meus amigos que por elas habitavam deviam achar que eu não era digno de conhecer os segredos da vida e nunca me convidaram. Deviam estar certos.


Hoje leio muito menos. A internet nos transformou em preguiçosos catadores de manchetes e comentários resumidos, que querem tudo pronto e que, quando a página demora mais do que quinze segundos para abrir já estão bufando. Mas se eu puder dar um conselho aos mais jovens, seria: Leiam. Leiam muito, leiam tudo o que puderem. Há romancistas espetaculares, filósofos perspicazes, ensaístas inteligentes, vai valer à pena. Só procurem se manter do lado iluminado da Força. 

Saudações Jedi!


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Homem Centenário.





Na medida em que me aproximo do meu centésimo aniversário estou ficando com pouca paciência para algumas coisas, a bem da verdade quase todas. Não que a paciência estivesse em lugar de destaque no meu enorme rol de qualidades, mas a coisa está piorando. Antes que alguém diga que estou muito longe dos cem anos, quero lembrar que estou num ponto equidistante entre os quarenta e os cem e como não há volta, caminho, mais ou menos corajosamente, para meu improvável centenário. Estas manifestações de falta de paciência começam assim que ligo o rádio pela manhã em busca de novidades. Logo que ouço os informes sobre os acontecimentos mais recentes, as primeiras entrevistas com qualquer autoridade, as opiniões dos renomados comentaristas a respeito de qualquer assunto, sempre tem algum, um grupo de pensamentos recorrentes começa a ocupar meu miolo. Estes pensamentos aumentam de intensidade quando ligo o computador, dou uma internetada e vejo os destaques dos principais sites, portais, conglomerados, estas bostas. Além das notas sobre celebridades que desconheço totalmente, o que a mocinha injetou nos glúteos, quem está comendo quem, para que emissora vai aquele ou aquela que eu não faço a menor idéia de quem seja, as notícias costumam ser as mesmas que ouvi no rádio, o que reforça minha sensação de desânimo, além do sentimento de déjà vu. Ligar a TV só piora a situação, lá vem tudo de novo. E os pensamentos aparecem, implacáveis:

“puta que o pariu, não é possível que este corno tenha dito isto”; “tomar no cu, seu mentiroso”; “vão roubar assim na casa do caralho”; “meu Deus do céu, mas este cara é mesmo muito filho da puta”; “não é nada disso, seu imbecil”; e por ai vai.

Peço perdão aos sensíveis e eventuais leitoras e leitores, só quis mostrar o que me passa pela cabeça diariamente ao tentar me colocar a par das últimas notícias. Só consigo ver corrupção, bandidagem, estupidez, cagadas diversas, em todas estas mídias que me assolam. Estou ficando cansado disto tudo. Para piorar, minhas listas das coisas que eu gosto, eu posso, eu quero, estão diminuindo a olhos vistos, enquanto seus opostos, isto é as listas do que não gosto, não posso, não quero, aumentam exponencialmente. Nem a música, do que já gostei bastante, representa algum consolo. Aquelas que eu gostei, as velhas, já ouvi tanto que cansei, e das novas não consigo gostar, acho tudo muito ruim. Talvez se eu encontrasse uma atividade educativa que me ocupasse, tricô, crochê, culinária, artesanato, estas coisas, não me aborreceria tanto com assuntos sobre os quais, já sei, não posso fazer porra nenhuma. 


Alguma sugestão?