sexta-feira, 21 de setembro de 2012

22 de Setembro, dia de Maria Clara.


Dia 22 de Setembro é o dia de São Mauricio, que eu nem sabia que existia, e neste dia, como em todos os outros dias, costuma acontecer muita coisa. Gonzaguinha (1945) e Andrea Bocelli (1958) nasceram neste dia. Antonio Conselheiro, o de Canudos, morreu em 22 de setembro de 1897.

Particularmente em 22 de setembro de 1962, nasceu Diogo Mainardi, o Botafogo venceu o Flamengo (3X1) e deu 03.334 (Cobra) na Loteria Federal. Mais particularmente ainda, houve um baile na casa do Eduardinho na praça da biblioteca do Tatuapé.

E foi lá, no sábado 22 de Setembro de 1962 que comecei a namorar Maria Clara.

Cinquenta anos atrás as coisas eram diferentes. Não tinha esta conversa de ficar com alguém, ou você estava namorando uma pessoa ou não estava. E havia um ritual para tanto. Normalmente o rapaz perguntava à moça em questão se ela aceitava namorar com ele. Era um processo pior que vestibular. E o medo de um não como resposta? Mobilizava-se, então, um batalhão de assessores. Um amigo comum fazia sondagens junto a outros conhecidos para avaliar se o convite tinha possibilidade de ser aceito, se a eleita já havia comentado sobre o atrevido pretendente, estas bobagens da adolescência. Mas que era bom, era.

Conosco não foi diferente. Já nos conhecíamos há algum tempo, éramos da mesma turminha, a já comentada Turma do Palacete, frequentávamos os mesmos bailinhos, reuniões dançantes aos sábados ou domingos, sempre na casa de um que tivesse pais mais liberais.

Voltando à casa do Eduardinho, naquele sábado 22 de setembro de 1962 as sondagens tinham sido feitas, aparentemente estava tudo bem, mas nunca se sabe, não é? Naqueles tempos, quase bíblicos, ouvíamos Ray Conniff, Elvis Presley, Pat Boone, Neil Sedaka, Paul Anka e eu gostava de um certo Ray Charles. Ray Conniff toca “La Mer” e eu tiro Maria Clara para dançar. Lá pela metade da música faço o irrecusável convite: Você quer namorar comigo? Silêncio dramático, pausa interminável, e ela: Vou pensar e depois te respondo. O quê!? Isto não estava no script, e agora como é que faz? Terminada a música, cada um para o seu lado, ela para o grupo das meninas e eu para a caverna dos trogloditas. Como é que foi, falou, e ela,...? As meninas eram só risadinhas e olhares para o nosso grupo, acho que para ver se alguém tinha desmaiado. Passado algum tempo, Ray Charles manda “Stella by Starlight” seguida de “Ruby” sem interrupção, novo convite para dançar e a pergunta: Já pensou? Ela responde: Já, eu aceito namorar com você. Que alívio!

Demoramos seis anos e picos para nos casar, já que naquele dia eu tinha dezessete anos e Maria Clara quinze, vejam só. O resto vocês já sabem. Três filhos, cinco netos, muitas peripécias e, como bem definiu minha filha Priscila, várias encarnações depois, continuamos juntos, esta mulher é uma santa.

Uma vez, durante nosso namoro, li numa revista um texto que dizia mais ou menos o seguinte:

“Era uma vez um homem que amava uma mulher. Digamos que este homem fosse eu e esta mulher fosse você, Maria Clara. Então a história seria assim: Era uma vez um homem feliz e obstinado que amava Maria Clara”.

Não tive dúvidas, copiei o texto e levei para a minha Maria Clara, que me achou o gênio das letras. Demorei algum tempo para confessar o plágio e ela, como sempre, relevou minha travessura.

Então fica assim, esta é a história de um homem feliz e obstinado que, depois de cinquenta anos, ama Maria Clara.

Parabéns e Muito Obrigado, Meu Amor!   

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Grande Amigo no Hospital.


Hoje fui visitar meu Grande Amigo no hospital. Depois de alguns dias com fortes dores de cabeça, dificuldades para conseguir realizar os necessários exames mesmo tendo bons planos de saúde, conseguiu ser atendido entrando pelo Pronto-Socorro de um grande hospital. Cutuca ali, cutuca lá, tomografia, ressonância magnética, o diagnóstico: O senhor está com um coagulo pressionando o cérebro e devemos operá-lo imediatamente.

Como assim?! Operação? Achei que vocês iriam me prescrever um analgésico mais forte, repouso, regime alimentar, estas coisas, mas operação? É a única forma de remover o coágulo. Caso esta pressão aumente, o senhor terá formigamentos no braço, dificuldades de coordenação motora e sua capacidade de ler e escrever será muito afetada. Já foi afetada, pensou meu Grande Amigo, tudo que tentei escrever hoje saiu errado e eu não sabia por quê.

Minha Grande Amiga, mulher de meu Grande Amigo não estava com ele e ficou sabendo do diagnóstico por telefone, entrando no previsível pânico imediatamente. Deixou sua mãe de mais de 90 anos em casa, sem contar nada, e passou em casa para pegar algumas coisas e ir para o hospital. O Grande Filho, o primeiro filho do casal de Grandes Amigos, comanda como fazem os filhos nestas horas: A senhora fique ai que estou indo buscá-la e vamos juntos para hospital.

Providências tomadas, cirurgia feita, recuperação em andamento, Maria Clara e eu fomos visitá-lo hoje. Está abatido, como era de se esperar, mas pareceu bem. Gentilmente, como é de seu feitio, contou-me todas as peripécias até a cirurgia e comentou que aguarda os últimos exames para ter alta e voltar para casa. Parecia feliz com nossa visita e nossa Grande Amiga parecia muito cansada, também pudera!

Acho que em nossa vida temos diversos tipos de amigos. Amigos que pensam na gente, mas não nos contam. Amigos que pensam na gente, falam a respeito, mas na hora de agir tem certa dificuldade e os amigos de “Pensamentos, Palavras e Obras”. Mas os Grandes Amigos estão acima destas classificações. Trazem nobreza de alma, elegância nas atitudes, nos dão apoio incondicional mesmo quando não merecemos, aparecem quando você menos espera e mais precisa, são verdadeiras bênçãos em nossas vidas. Assim é este Grande Amigo, o melhor de todos nós, que fui visitar hoje no hospital. Espero que seja a última vez que ele me apronta uma falseta destas, não gostei nada da brincadeira. Ele que não se atreva a ficar doente novamente sem pedir minha prévia autorização. Que eu não darei, é claro.

Um beijo, meu Grande Amigo, recupere-se logo.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O Suicida da Rua Fernandes Vieira.


Fui morar na Rua Fernandes Vieira, no Belém, com doze ou treze anos, não lembro bem. Meus pais quando casaram compraram um sobradinho na Rua Toledo Barbosa e foi lá que nasci e cresci até mudar para a nova casa, que era no mesmo quarteirão, só virar a esquina. O sobradinho tinha ficado pequeno, afinal a esta altura do campeonato já éramos quatro filhos (e depois viriam mais três) e não cabíamos na casa da Toledo. A nova casa era maior, com três quartos, duas salas e até uma garagem na frente, coberta por uma laje, onde meu pai passou a guardar as tranqueiras com as quais transitava – Nashs, Studbakers, Buicks, eventuais Kombis - e que anteriormente ficavam na garagem do Sr. José, um português que tinha um estacionamento no Largo São José do Belém.

Quando nos mudamos a rua ainda era de terra, sem calçamento de paralelepípedos ou asfalto, o que facilitava muito as brincadeiras da molecada, mas fazia muita sujeira já que ficávamos cobertos de pó ou barro até os cabelos para alegria de nossas mães. Minha traiçoeira memória me diz que ficávamos o dia inteiro na rua. Era chegar da escola, comer alguma coisa ligeirinho e cair fora antes que minha mãe me desse alguma tarefa, coisa que eu nem sempre conseguia. Ao que me lembre, eu nunca fiz lição de casa na minha vida.

Tinha moleque a dar com um pau na Fernandes Vieira. Nem todos moravam lá, claro, mas apareciam de todos os cantos pelas facilidades que a rua pouco movimentada oferecia aos praticantes dos diversos esportes olímpicos da época. Futebol, Bolinha de Gude, Malha, Mana-Mula (Carniça, Sela), Taco, Pião, enfim esportes competitivos de alto nível. Os apelidos que colocávamos uns nos outros seriam casos de polícia, hoje em dia. Edison Mãozinha havia nascido com um dos braços e a respectiva mão defeituosos, braço curtinho e mão atrofiada e com poucos dedos, não sei se foi uma das primeiras vitimas da Talidomida. Nagib Turco, de origem árabe, Magid Porcão, que não era palmeirense, só não tomava banho nunca, Zecaolho, um José Carlos vesgo de dar dó e que jogava muita bola, como pode? Orelha, Zé Preto, cada apelido pior que o outro. Estas ONGs politicamente corretas de hoje em dia fariam a festa nos processando.

Durval Viadinho era um menino um pouco mais novo que os demais e saia pouco à rua. Seus pais pareciam ter mais idade que os outros casais e o desinfeliz era tratado a Leite com Pêra, Ovomaltino, Sucrilhos no Prato, estas mordomias. Era mimado demais e, nas poucas ocasiões em que vinha para fora, enchia tanto o saco dos maiores que acabava tomando uns cascudos. Eu mesmo devo ter lhe dado umas porradas uma meia dúzia de vezes. E ai sua mãe entrava em ação, xingando, reclamando com as outras mães, gritando, um inferno, acho que ela não gostava muito do apelido que demos ao seu pimpolho. Nossas mães, por dever de ofício, enchiam nosso saco depois havendo até casos de reclusões temporárias por causa das reclamações da progenitora de Durval Viadinho. Era um capeta aquele moleque.     

Certo dia, ao chegar da escola, vejo o maior salseiro na porta da casa do Durval, ambulância, polícia, toda a vizinhança, a maior bagunça. Acabei sabendo que o pai dele havia tentado o suicídio, o que eu não sabia muito bem o que era. Parece que tinha dado um tiro na cabeça, imaginem só. Os comentários eram os mais diversos, desde análises filosóficas sobre as causas de tão tresloucado gesto até comentários de alguns maledicentes, dizendo que se fossem casados com aquela megera também teriam se suicidado.

Mas o homem não morreu! Análises científicas que circularam entre os jovens comentaristas davam conta que o suicidante havia utilizado munição de calibre inferior ao da arma, provocando folga no tambor e no cano do revólver usado. Isto reduziu muito a força de saída do projétil, tornando-a insuficiente para liquidar a fatura, mas não evitando um grande estrago. Comprei esta versão como boa, já que não sou especialista em balística e achei que havia lógica na explicação.

Depois de algum tempo internado o pobre-diabo voltou para casa e nunca mais saiu. Aparecia na janela de vez em quando, de pijamas, dava uma olhada triste para a rua e voltava para o casulo. Alguns diziam que a bruxa ainda comentava com ele: “Nem para se suicidar você presta!”. A molecada pode ser muito má. Aos poucos o assunto foi para as páginas centrais de nossos interesses e deixamos o caso de lado. O Durval praticamente não saiu mais à rua.

E este foi o evento mais importante que aconteceu na Rua Fernandes Vieira, ao menos enquanto morei lá.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Se Arrependimento Matasse.


De todos os pecados que já pratiquei, e foram muitos – senão todos, talvez o pior seja o da Soberba. Costumava (disse costumava? às vezes ainda costumo) achar que sabia mais do que os outros a respeito de algum assunto ou alguma coisa e não perdia a oportunidade de demonstrar tal opinião. Dava palpites em qualquer tema, sempre visando esclarecer àquele populacho qual era a Verdade, a minha, é claro. Não poupava nada nem ninguém, sabia tudo e procurava espalhar a luz da sabedoria. Quanta empáfia, minha Nossa Senhora dos Humildes.

O pior é que minhas vítimas sempre estiveram entre meus mais queridos amigos e, principalmente, familiares. Meu pai deve ter sido o primeiro sofredor cujo saco enchi durante anos a fio, pobrezinho. Com treze ou quatorze anos comecei a dar palpites nas conversas que ele costumava manter com meu tio Nicola, seu cunhado e amigo, sobre a empresa da família em que ele era um dos sócios, ao lado de meu avô Pepe, meu tio Gaspar e meu tio Isidoro. Imagine só, um bostinha que mal tinha aprendido a amarrar os sapatos ficava achando que a Mecânica Aguilar, a referida empresa, deveria fazer isso, fazer aquilo, o escambau. O que devo ter falado de merda deveria dar para adubar planetas inteiros, e daqueles grandões.

Passados alguns anos, minha pobre sogra ouvia pacientemente minhas opiniões sobre religião, assunto sobre o qual, convenhamos, não sei nada. Opiniões que tinham como objetivo discordar dela, lógico. Meu sogro, também um Soberbo praticante, era escalado para discussões sobre música, literatura, cinema, artes em geral. Neste caso devo admitir que costumava ocorrer o chamado empate técnico, já que um ficava se exibindo para o outro em conversas cheias de ironia e sem nenhum objetivo prático. Irmãos e amigos recebiam palpites, verdadeiras aulas, de como criar e educar seus filhos, que carro comprar, onde morar, e tudo o mais em que eu pudesse meter o bico. Vamos deixar claro, eu era (era?) insuportável, o chamado “Que Puta Metido!”.

Fica aqui meu pedido de desculpas a todos os mártires que sacrifiquei em prol de uma pretensão imensa. Desculpem!

Mas o pior, o que realmente provoca a sensação de “Se arrependimento matasse...”, foram opiniões, nem sempre verbalizadas, sobre a forma de pensar de meu pai a respeito de certos assuntos, desde relacionamentos familiares a dinheiro. Achava o Sr. Raphael ingênuo e excessivamente esperançoso, sempre contando com alguma coisa mágica que fosse tirá-lo de alguma enrascada em que tivesse se metido, voluntaria ou involuntariamente. Do alto da minha ignorância não considerava as reais condições que ele tinha para sair da arapuca. Achava tudo fácil, o imbecil que vos escreve.

Erasmo Carlos tem uma música apropriada a esta temática que diz o seguinte:

“Antigamente, quando eu me excedia, ou fazia alguma coisa errada,
naturalmente minha mãe dizia: - Ele é uma criança, não entende nada...
Por dentro eu ria, satisfeito e mudo. Eu era um homem e entendia tudo.

Hoje só com meus problemas, rezo muito, mas eu não me iludo.
Sempre me dizem quando fico sério: - Ele é um homem e entende tudo...
Por dentro, com a alma atarantada, sou uma criança. Não entendo nada.”

Grande Erasmo, disse-o bem.

Só pude compreender, um pouco, as aflições e desesperos de meu pai quando passei por situações semelhantes e percebi que costumo reagir da mesma forma que ele, sem aquela falsa sabedoria que aparentava quando o nabo não era no meu.

Sr. Raphael, meu querido pai, desculpe-me por todas as bobagens que lhe disse e por aquelas que não disse mas pensei. Um beijo.


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Friorentos.


Pertenço a uma longa linhagem de friorentos. Minha avó Ana, a materna, tinha um frio que nunca passava, coisa que transferiu para minha mãe. Ambas começavam a tiritar no final de fevereiro, início de março, e só reconheciam o eventual verão entre janeiro e fevereiro e olhe lá. Mesmo assim não dispensavam as meias de lã. Meu avô Joaquim também era um friorento praticante, usando agasalho a maior parte do tempo, nunca dispensando a clássica camiseta por baixo da camisa e do pulôver. Imagino que os três nunca conseguiram esquecer o frio que passaram em Portugal, de onde vieram, e incorporaram aquela incomoda sensação aos seus sentidos, como se fossem seis: Olfato, Tato, Audição, Visão, Paladar e Frio.  

Meu pai, filho de espanhóis, não ficava atrás. Bastava esfriar um pouco e ele andava pela casa enrolado em uma manta, parecendo um fantasma xadrez, reclamando. Não me lembro do que manifestavam a respeito meus avós paternos, meus contatos com eles eram mais eventuais e não permitiam estas observações científicas. Já comentei que meu avô paterno, Vô Pepe, falou comigo duas vezes na vida e ambas para me mandar ficar quieto e parar de encher o saco. Uma flor de pessoa. Minha avó era legal, sempre tirando de uma bolsa enorme, que sempre tinha por perto, qualquer coisa que alguém precisasse. Barbante, tesouras, balas, elásticos, qualquer coisa mesmo. Parecia mágica de circo. E era muito carinhosa, talvez para compensar a rabugice de seu marido.

Eu sou friorento e para ajudar moro em apartamento quase inglês. Só bate sol nesta porra uma vez por ano, numa quinta-feira à tarde. Ano passado tive que sair na data prevista e perdi tão importante evento. Este ano estou atento, não perco este solzinho por nada. Não que o tempo esteja particularmente frio este inverno. Já fez muito frio, claro, mas ultimamente está batendo um veranico, como dizem os especialistas. É que no fim da tarde bate um puto de um ventinho gelado que vai das seis da tarde as nove ou dez da noite e que me incomoda muito.

Meus filhos e netos não são assim, principalmente meus netos que parecem nunca sentir frio. Posso estar congelando, estremelicando, batendo os dentes, quando Vitor, Henrique e Naná chegam, a primeira coisa que fazem é tirar o agasalho, os sapatos e as meias, para meu espanto. E eu fico perdendo meu tempo com chatices do tipo: “Crianças se agasalhem”, “Não tirem as meias, o chão está gelado”, “Vocês vão ficar resfriados”. Claro que eles não me dão a mínima bola e continuam o quer que estivessem fazendo antes de minhas rabugices. Acho que eu também não sentia frio quando era da mesma idade que eles.
Opa! Vou correr até a janela que está passando um sol por aqui. Tchau.

sábado, 18 de agosto de 2012

A neta do William.


William Atihe morreu ontem. Tinha 67 anos, como eu, tinha filhos e netos, como eu, tinha uma profissão parecida com a minha, na verdade tínhamos muitas coisas em comum.

Amava muito seus filhos e netos e procurava vê-los todas as semanas em encontros para almoçar ou jantar, com a presença de todos. E era amado reciprocamente por todos eles, que viviam preocupados com sua saúde frágil e com suas constantes dores nas costas, que o obrigavam a se entupir de analgésicos. O coração não resistiu e William partiu jovem, ao menos nas estatísticas que vemos hoje em dia. Encontramos-nos meia dúzia de vezes em eventos sócio-familiares e ele sempre me tratou com gentileza e elegância, o que parecia ser sua característica.

Mas o que eu mais gostava nele era saber de seu carinho por sua neta Nathalia, a primeira de sua família e muito querida por ele. Certa vez pediu, meio sem jeito, à mãe e ao pai da Nathalia que lhe fosse permitido levar a neta para um passeio em um shopping, só os dois, para almoçar, passear, estas coisas que os avós gostam de fazer com os netos. Ficou todo feliz quando o filho e a nora autorizaram o passeio. A neta, por sua vez, o adorava. Sempre contava dos encontros com Vovô William e das maravilhas do molho branco do Manezinho, que comia com o macarrão dominical no restaurante em que ia com os pais e o avô. O vovô sempre reservava para a neta várias moedas de R$ 1,00 para que ela guardasse e depois comprasse algum presente, o que ela adorava. Muitas vezes antecipava o valor correspondente a muitas destas moedas para permitir que ela conseguisse alguma coisa que estava querendo muito e logo, vocês sabem como são as crianças.

Estou muito triste com a perda da Maria Tereza, do Alexandre, do Sérgio, do Igor e da Larissa, sua mulher e filhos, mas estou particularmente triste pela falta que William fará à sua neta Nathalia, que ainda é muito pequena para entender estas coisas (será que alguém entende?) e sentirá, mesmo sem perceber, muita falta deste avô. Eu sou o outro avô da Naná e vou procurar ajudá-la quando a saudade do William bater muito forte, mas sei que nunca será a mesma coisa, sem o molho branco do Manezinho, sem as moedas para guardar e sem o carinho daquele avô especial.

Deixo para ele esta prece Irlandesa, muito linda, e que espero que se realize:

William,

Que as gotas da chuva molhem suavemente o seu rosto,
Que o vento suave refresque seu espírito,
Que o sol ilumine seu coração,
Que as tarefas do dia não sejam um peso nos seus ombros,
E que Deus envolva você no manto do Seu amor.
Que a estrada se abra à sua frente,
Que o vento sopre levemente em suas costas,
Que o sol brilhe morno e suave em sua face,
Que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E até que nos encontremos de novo...
Que Deus lhe guarde na palma de sua mão.

Boa Viagem, Irmão!  

domingo, 15 de julho de 2012

Jamaica.

Minhas caminhadas diárias pelo Brooklin são uma fonte inesgotável de pensamentos dispersos e aloucados, mas que trazem distração a este peregrino dos supermercados (parece que estou sempre entrando ou saindo de um).

Outro dia, descendo a Rua Pensilvânia, deparo-me com um mendigão classudo, destes que hoje chamamos no Brasil de homeless, umas duas ou três doses acima do nível, que puxava numa cordinha um cachorrinho que não deveria ter mais do que quinze dias. Parecia um filhote de Labrador preto, ou era um vira-lata de boa origem, com predominância das características desta popular raça. O homem puxava o pobrezinho e comandava “Vem Jamaica, vem” e dava ordens ao coitado que, é claro, não estava entendendo nada “Senta, deita, rola, corre”. Até parece.

A escolha do nome foi fácil de deduzir, já que o humano era levemente parecido com o Bob Marley, talvez as doses que imaginei exageradas fossem outra coisa. E era Jamaica pra lá, Jamaica pra cá, uma festa. Lembro-me de haver pensado do alto dos meus preconceitos: “Este não vai durar uma semana”.

Semanas depois encontro novamente a dupla. Jamaica já maiorzinho, seguia seu Bob Marley saltitante, parando de vez em quando para cheirar um poste, ir atrás de outro cachorro, ou estas coisas que os filhotinhos fazem. Bob logo chamava a atenção de seu mascote, com um “Vem Jamaica”, que era atendido com mais ou menos presteza dependendo do tamanho da distração.
Tive que reformular minha previsão, já que o cachorrinho já não parecia tão assustado quanto da primeira vez e dava mostras de estar alegre e feliz. Havia, até, crescido um pouco.

Há poucos dias, novo encontro. Desta vez nosso Marley puxava um carrinho para recolher material para reciclagem e dava a mesma impressão de desnivelamento etílico que na primeira vez que o vi.
Não vi Jamaica logo de cara e pensei: “Pronto, o pobrezinho do cachorro já foi pro saco. Bem que eu tinha previsto”. Foi eu pensar esta bobagem e o nobre animal levanta-se do seu repouso dentro do carrinho, no qual estava sendo confortavelmente transportado. Olhou para Bob e deu um alegre latido, correspondido por um imediato “Fala Jamaica!”.
Acho que esta parceria vai longe.

Longa vida ao Bob Marley do Brooklin e seu fiel Jamaica.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

O Louco e os loucos.

Havia o “Louco do Bairro”, doravante simplesmente denominado “Louco”. Cada bairro tinha ao menos um, às vezes mais. No Belém da minha infância havia um que era famoso entre a molecada e que aparecia em horas incertas batendo duas tabuinhas que trazia nas mãos, fazendo muito barulho e chamando a atenção. Pronto, chegou o Louco diziam todos, e preparavam-se para os sustos inevitáveis. Ele costumava falar sozinho, o que é de praxe entre os loucos, e quando estava mais animado parava e fazia longos monólogos, sempre reclamando de alguém ou de alguma coisa. Não me lembro dele falando mal do governo, nem de futebol, coisas que fazemos com frequência hoje em dia. Falava longos minutos, aos berros como fazem os loucos, prendendo a atenção da meninada, que ficava preparada para o “Grand Finale”. Em dias de muita animação ele corria atrás da garotada que o assistia e, muitas vezes, provocava. Era uma farra, corria todo mundo, cada um para um lado desconcertando o pobre homem, que ia, voltava, ficava em dúvida em quem perseguir, girava, girava e acabava desistindo, para tristeza geral. Partia batendo suas tabuinhas, gritando e fazendo um barulho danado. De vez em quando ficava muito tempo sem aparecer. Foi para o Juquerí, diziam, revelando um aspecto mais sinistro da vida daquele pobre-diabo. Ninguém sabia muito bem o que era o tal Juquerí, mas dizia-se que lá eram aplicados horríveis choques elétricos nos internados para tranquilizá-los, coisa que nunca entendi bem, já que quando levava algum choque eu ficava assustado, isso sim. Voltava, claro, mas ficávamos de olho para ver se não havia alterações comprometedoras de comportamento ou outras sequelas. Isto ia até a próxima correria, quando tudo voltava normal. Foi sumindo aos poucos, não sei se na verdade não fui eu que parei de prestar atenção nele já que a adolescência me ameaçava com suas garras e preocupações maiores. Sinto saudades daquele tempo e daquele Louco.  

Não vejo muitos destes hoje em dia, mas surgiu uma nova categoria de louco mais assustador e inexplicável. Você caminha pela rua atrás de alguém bem vestido que, pobrezinho, fala sozinho. De repente o bicho dá uma meia-trava, para, e começa e gesticular e aumentar o tom de voz. - “Já disse para não deixar este menino pegar o carro sem minha ordem!”, “Se não pagarem manda pro cartório HOJE!”, “Escuta, meu bem, escuta, não é o que você está pensando!”, e outras conversas incompreensíveis da mesma espécie. Então você repara naquele fiozinho saindo da orelha do elemento e percebe que ele está falando ao telefone celular, devidamente escondido em algum bolso. Já levei muito susto com isso, às vezes tenho a impressão que a pessoa está falando comigo e não sei como reagir, já que não entendo o que está sendo dito. O pior é que este novo louco não sabe que é louco, acha que está em seu pleno direito quando para de repente, atrapalha quem vem atrás, bloqueia a calçada, cria situações constrangedoras nos impondo suas (dele) intimidades e acha que está tudo certinho. Não está. 

Esclareço que não sou contra estas novas tecnologias, alias gosto de uma novidade nesta área, mas acho que junto com o manual do aparelho deveria vir outro de boas-maneiras explicando como usar o novo dispositivo sem incomodar ou encher o saco alheio. Não estou interessado nas intimidades de pessoas que nem conheço e que as expõem de forma desavergonhada na frente de todo mundo, em qualquer lugar. Cobranças, financeiras ou pessoais, descrições de doenças terríveis, mentiras deslavadas (está na cara), tentativas de reconciliação e outros assuntos que não me dizem respeito. Mas parece que as pessoas gostam de expor suas vergonhas em público sem restrições, pensam talvez que estão sozinhos e mandam bala nas suas (deles) intimidades.  De vez em quando o assunto parece interessante e fico curioso para conhecer um fim que nunca chega ao menos para mim, já que continuo meu caminho.

Meninas, meninos, senhoras, senhores, não me interessa se Tia Izilda piorou das hemorróidas, se Tio João está sem grana para pagar a prestação do carro, se o puto do Vanderson (deve ser sueco) te deu o cano, se Valdiclene ficou grávida, estas coisas que escuto sem pedir e sem ter como evitar. Mais compostura, por favor, tenham estas intimidades em lugares reservados e, principalmente, longe de mim.

Agora o pessoal do “tipo wi-fi só que com fio”, que me assusta muito mais, deveria dar uma passada no Juquerí e tomar uns choques. Quem sabe não sossegam o facho.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

“Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar.” - Antonio Machado, poeta espanhol.

O esmelecamento e a mudança de cor sofridos pelos dejetos caninos, eliminados pelos inimputáveis animaizinhos e não recolhidos pelos imboçais de seus proprietários, tornam as já complicadas caminhadas pelo Brooklin mais difíceis ainda. A ação deletéria das copiosas chuvas que se abatem sobre nossa comunidade (posso usar, não posso? Ou é só para as favelas que aparecem nas novelas da Globo?), além de dissolverem o que seria um visível montinho e o transformarem em uma armadilha escorregadia, provocam alterações cromáticas criando uma cor que varia entre o amarelo-esverdeado e o verde-amarelado, a chamada “Cor-de-Merda-Quando-Foge”, que se confunde facilmente às manchas, buracos, folhas, ou outras coisas que infestam nossas pobres, maltratadas e esburacadas calçadas.

Está, assim, criado mais um problema para quem já não enxerga tão bem, já não caminha com a mesma desenvoltura de outrora e tem que tomar cuidado com loucas dirigindo SUV’s, falando ao celular e, às vezes, fumando, com motoboys atrasados, com seus sucessores, os ciclistas na calçada e contramão e com outras dificuldades da mesma natureza. Oportunidade de ouro para que um frequente companheiro de caminhadas exclamasse: “Vô, fodeu, você pisou na bosta!”. Não declinarei o nome deste companheiro por tratar-se, neste caso, de hipótese divagatória e para evitar punições a quem não disse nada, afinal não estava presente.

Com o aumento da quilometragem pessoal, para alguns logo após os 40 e para os mais sortudos mais próximo dos 50, a vista começa a bambear e aparece a famosa “Síndrome do Braço Curto”. Começam os óculos para leitura, cuja gradação vai até uns 4,0 ou 4,5 graus, se não me engano. Já estou lá pelos 3,5. Acontece que a dificuldade visual, novidade para quem não veio com ela de berço, não para por ai. Aos poucos a dificuldade evolui para médias distâncias, longas distâncias, situações com pouca luz, situações com excesso de luz, e por ai vai. Aliás, eu gostaria de saber quem foi o feladaputa do publicitário de vinte e poucos anos que inventou que a velhice á a “melhor idade”. Melhor só se for para o derrière da sua (dele) mãe, seu bostinha. A velhice é uma merda e não me venham com palavras de consolo, só servem para me irritar mais ainda.

Acho que vou lançar um novo produto para velhinhos de qualquer gradação – júnior (60/70), pleno (70/80), sênior (80/90) ou máster (acima de 90). Trata-se da “Bengalassoura” ou “Vassouragala”, o nome ainda não está escolhido. O utilíssimo artefato seria constituído, como o nome sugere, de uma bengala com uma vassoura na ponta. Permitiria afastar do caminho as coisas com aparência suspeita e que pudessem causar dano ou embaraço ao caminhante. Reconheço que a má visão pode prejudicar o uso adequado de tão preciosa ferramenta de apoio. Penso em instalar um sensor que apite quando da existência de algo estranho pela frente. Preciso resolver como avisar aqueles de nós que já não escutam muito bem, talvez uma luzinha piscando, quem sabe. Estão vendo como a velhice é legal? Alguém conhece o inventor do famigerado “Melhor Idade”? Queria mandar um e-mail bem mal-educado pro desinfeliz. Talvez seja mais fácil que a Prefeitura do “Antes não tinha agora tem”, uma puta mentira, lançasse uma campanha chamada “Leve sua merda para o lugar de onde ela veio - a sua casa”.

Antonio Machado teria grande dificuldade em fazer seu caminho no Brooklin, talvez por isso mesmo nunca tenha passado por aqui.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Lápis de Cor.


Já comentei dos meus três netos, Vitor (9), Nathalia (8) e Henrique (5). Com eles brinco, invento histórias assustadoras que não assustam ninguém, conto algumas lorotas e faço minhas observações sobre a natureza das crianças, diferenças de comportamento e outras bobagens para ocupar meu tempo. Mas conviver com ele é uma delícia mesmo.

Hoje queria comentar as diferenças que vejo entre meninos e meninas, no caso Vitor e Naná, quanto à posse e aos cuidados com material escolar. Parecem seres de planetas diferentes, tal a disparidade com estes cuidados.

Nathalia fica conosco todas as quintas-feiras à tarde, período em que não tem aula. Almoça, vê TV, e chega o momento da lição de casa, tarefa em que me cabe acompanha-la. Ela, muito organizada, coloca sobre a mesa os livros e cadernos necessários às tarefas do dia e, “voilà”, seu super estojo. Sim, por que o estojo da Naná é digno de registro. Sua mãe é fissurada em papelarias e material escolar desde pequena. Não consegue resistir a uma novidade, um jogo de canetinhas fosforescentes, uma borracha infalível, um apontador eletrodinâmico, se é que existe isso. E a filha, é claro, está me saindo à mãe. O tal estojo tem várias divisões, cada uma com um grupo de coisas absolutamente necessárias ao bom exercício da missão “Lição de Casa”. São grupos de lápis de cor (acho que o plural deveria ser lapizes de cores, seria mais legal), canetinhas, borrachas, apontadores, lápis para escrever (os antigos n° 2) e por ai vai.

E Naná usa todo este material com uma organização irritante. A cada coisa que escreve ou pinta, ela pega o lápis no estojo, usa e guarda no local correto, mesmo que vá usa-lo novamente em seguida. Faz sua lição com um capricho danado, obedecendo às orientações, nem sempre muito compreensíveis, de suas professoras. Exemplifico: Por que diabos uma criança tem que escrever a primeira letra de cada frase com lápis de cor e as outras letras com lápis comum? Decerto para me enlouquecer, já que minha lindinha escolhe a cor, pega o lápis, escreve a primeira letra, guarda o lápis colorido, pega o n° 2 e continua a frase, num processo que parece não ter fim. Como ela tem muitos lápis de cor, com características diferentes, as escolhas são sempre um processo difícil para a pobrezinha. Mas a lição sempre sai, caprichada e bem feita.

Com meu neto Vitor não tenho esta atividade com muita frequência, já que ele fica na escola em horário integral todos os dias e faz a lição de casa lá mesmo, mas algumas vezes, por razões diversas, me coube acompanha-lo nesta atividade.

E ai é que vem a diferença. Vitor tem um pequeno estojo onde nem sempre encontra um cotoco de lápis n° 2 com a ponta rombuda, e um único (é isso mesmo, só um) lápis de cor, aquele que ele não perdeu (ainda). Borrachas não há, já que as várias que sua mãe lhe comprou ou as muitas que a avó lhe deu sumiram. “Acho que meu amigo pegou e não me devolveu, Vô”, comenta sem a mínima preocupação com o assunto. Puxa as folhas da lição de casa da mochila, devidamente amassadas, e faz a tarefa em tempo recorde, já que quer fazer coisas mais interessantes. Não me entendam mal, Vitor é excelente aluno, menino brilhante e esperto, mas considera a missão “Lição de Casa” indigna de um super-herói ocupado como ele.

Henrique, ainda pequeno, é muito caprichoso em suas pinturas e tem muita vontade de aprender coisas que o irmão sabe e ele ainda não. Tem muita curiosidade e gosta de fazer contas e escrever, mas ainda não definiu como será seu comportamento quando for, digamos, mais maduro, como seu irmão e sua prima.

Acho que esta é uma diferença entre meninos e meninas, elas são mais princesinhas, eles são mais ogros.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Pode Funcionar.

Fala a verdade, você não está com o saco cheio das notícias sobre roubalheiras dos políticos? Eu estou. Não agüento mais tanta notícia sobre desvios de verbas, malfeitos, vendas de votos e de apoio, maracutaias diversas, estas bostas. E não importa o partido, não escapa nenhum, de direita, de esquerda, de centro, de cima, de baixo, do lado, todos aproveitam quando surge a oportunidade e metem a mão. E o que mais me fode a puta da paciência são as explicações do malfeitor da vez. Todos eles acham, com razão, que somos imbecis.

Stanislaw Ponte Preta disse: “Ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”.

Nosso sistema político / eleitoral já provou ser inadequado. Ou você acha bom um sistema que elege e reelege Sarney, Renan, Collor, Maluf, Netinho, Paulinho da Força, Demóstenes, Agnelo Queiroz, José Roberto Arruda, Eduardo Suplicy, Ideli Salvatti, Tarso Genro e outros parecidos ou, se houver, piores?

Apliquei, então, o famoso conceito filosófico “Merda por merda, truco!”, e a idéia que tive, não sei não, pode funcionar. Trata-se do sensacional método do Sorteio Eleitoral. Calma, vou explicar.

Poderíamos acabar com todos os partidos políticos, com a maldita propaganda política obrigatória, com as promessas mentirosas, com a necessidade de verbas de campanha, a economia seria de tal monta que até me surpreendeu pela simplicidade da proposta.

Os cargos políticos do Brasil seriam preenchidos pelo mais democrático dos métodos: o sorteio. Todos os brasileiros maiores de idade, portadores de um CPF e de uma Carteira de Identidade seriam, por assim dizer, candidatos às eleições municipais, estaduais e federais. Poderíamos começar com o Legislativo e, aos poucos, estender o processo aos outros Poderes da República. Simples assim, na época das eleições seria realizado um Mega Sorteio, com base no CPF de cada cidadão ou cidadoa, para preenchimento dos cargos de Vereadores, Deputados Estaduais, Deputados Federais e Senadores. Este democrático método daria a todos a mesma chance de se locupletar com o erário, já que não espero que a moralidade seja restaurada. Mais fácil que ganhar na Mega Sena.

A renovação seria automática, afinal ganhar duas vezes no sorteio seria muito difícil, só o deputado João Alves era capaz destas proezas. A qualidade de nossas casas legislativas iria aumentar muito, pois esta forma de escolha permitiria que até alguns brasileiros honestos fossem sorteados, já imaginaram? Passado o período correspondente, novo sorteio e teríamos políticos novinhos em folha, não é uma beleza? E isto sem gastar um puto com campanhas, folhetos, camisetas, musiquinhas insuportáveis, estas coisas que me enchem o saco.

Rapaz! Quanto mais eu penso, mais eu gosto da idéia. Só não sei como amarrar o sino no rabo do gato. Mas vou pensar em alguma coisa.
 

domingo, 1 de abril de 2012

A Tristeza Dos Meus Irmãos.

Meus irmãos Sílvia, Mirinha, Raphael, Ricardo e Marcelo andam muito tristes. A mãe deles está muito doente, caída em uma cama há um ano, sem reação a nada e, parece, não vai durar muito. O sofrimento deles é visível, dá até pena. Alguns perguntarão “Mas a mãe deles não é a sua?”. É e não é.

Dona Delmira Martins Alves Aguilar, nascida em 18/11/1921 em Vila Real, Trás dos Montes, Portugal, pessoa física, é a mãe de todos nós. Mas a entidade emocional que habita os corações e mentes, o consciente, o subconsciente, o inconsciente, o escambau, de todo mundo, é diferente para cada um.

Minha mãe é SÓ MINHA, ninguém tasca! Convivo com esta mulher há mais tempo que qualquer um deles, são sessenta e sete anos de amor, amizade, paciência, resignação, desapontamento, tudo que vocês podem imaginar que ocorre entre um filho e sua mãe. Gostava quando ela me dizia algum ditado português. Um dos meus preferidos é: “Menos dá uma fraga, mais mija-se nela ao pé”.

-         O que é uma fraga?
-         Uma pedra, ora pois.
-         Mas então o que significa esta expressão, Dona Delmira?
-         Muito clara, não vês?
-         Não vejo.
-         Uma fraga é uma pobre pedra, que não dá nada, nada lhe cresce em cima, é só desamparo.
-         Mas então porque lhe mijam, mãe?
-         Para piorar o que já é ruim.
-         Acho que entendi: Quanto mais pra baixo alguém está, mais lhe pisam em cima. É isto?
-         Demoraste, não é?

Alma lusa, sem muitas alegrias aparentes, nunca vi minha mãe cantarolando alguma música, achava bobagem. Tinha tantas coisas para resolver que não iria perder tempo com estas merdices. Sete filhos, um marido meio tresloucado (como todos), mas apaixonado por ela, uma falta de dinheiro crônica que mais parecia uma das pragas do Egito, a vida dela não foi moleza. Chegou ao Brasil com treze anos, mais ou menos, provavelmente muito assustada pela mudança. Logo começou a trabalhar e, de uma forma ou outra, nunca mais parou. Era uma mulher linda. Linda não, lindíssima! Tinha razão o Sr. Raphael em casar-se logo com aquela portuguesinha que morava na Vila Lameirão, travessa da Rua do Gasômetro, aonde morava meu pai.

Meus irmãos reclamam que eu sou o queridinho dela. Sou mesmo, que se lasquem. No almoço alguma coisa não muito do meu agrado, ela sacava da cozinha: “Mauricio, quer um ovo frito?”, que meus irmãos logo transformaram em “Mauricinho, quer um ovo frito”. Invejosos! Ela nunca me chamou por este diminutivo infeliz que assumiu o significado de alguém muito formal e arrumadinho. Mas comi muito ovo frito, sim senhor. Até seus oitenta e seis ou oitenta e sete anos tomava metrô e ônibus e vinha me visitar a quilômetros daquela lonjura da Cantareira, aonde ela se enfiou, talvez saudosa de sua aldeia natal. Fazia o melhor bolinho de bacalhau que algum ser vivente terá, jamais, comido. E era um saco, ela fritando e aquela matilha de filhos e marido comendo a produção antes que chegasse à mesa. E o arroz de polvo, meu Deus! Mas ela mesma não curtia muito estas coisas, cozinhava para os outros.

Alguém mais racional me dirá: “Mas sua mãe está com noventa anos, viveu bastante, mais que a maioria”. Obviedade idiota, como diria Nelson Rodrigues. Claro que ela não é mais jovem e já viveu muito, mais do que eu, provavelmente, viverei. Mas isto não evita que eu fique muito triste pela situação dela, eu estou muito triste. Muito triste não, eu estou TRISTE PRA CARALHO que é o maior aumentativo que eu conheço, eu e minha linguagem de cais do porto. Nunca imaginei que esta situação dela fosse me deixar com esta enorme sensação de desamparo, como se fosse uma criança, eu já um velho (ou quase). Peço a todos os Deuses, nos quais não creio (mas espero estar errado), que se compadeçam dela e de sua situação terrível, exatamente o que ela mais temia – a dependência total dos outros e lhe permitam encerrar esta viagem e iniciar sua navegação de volta para casa. As estrelas.
Minha amada Dona Delmira, minha mãe, meu primeiro amor, minha querida.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Land Rover

Éramos muitos, éramos duros, éramos metidos, enfim era coisa normal. A Turma do Palacete reunia-se, é claro, em frente ao “O Palacete”, como era conhecida uma mansão existente na Rua Herval, no bairro do Belém. Não sei o motivo, mas quase não se via os moradores da residência, às vezes parecia não haver ninguém. A frente da casa, com quase cinquenta metros de muros baixos encimados por gradis era um convite a que nos sentássemos e ficássemos horas fazendo nada, o que era nossa especialidade. Chegávamos aos poucos, um de cada vez, sempre esperando não ser o primeiro, aquele que esperava pelos demais. Não havia horários pré-definidos, valia qualquer coisa, mas a concentração maior começava no inicio da noite, quando estavam todos liberados de eventuais compromissos (poucos) e prontos para jogar conversa fora por longas horas.  Os temas eram quase sempre os mesmos: carros e namoradas, coisas que nem todos tinham. Costumávamos ficar até altas horas fazendo piadas uns com os outros, gozando os mais ingênuos, provocando os mais irritáveis, contando mentiras verdadeiras ou verdades mentirosas, como preferirem, estas coisas que os jovens faziam naquele tempo. Hoje parece que não é mais assim, pena.

Os carros eram uma paixão quase platônica já que a maioria era menor de idade, sem carteira de motorista, e os já devidamente habilitados não tinham o que dirigir, só quando o pai emprestava o carro, o que nem sempre acontecia. Mas sabíamos tudo a respeito, marcas, motores, potências, corridas, por ai. Dois ou três tinham seus próprios carros e eram admirados pelos demais, inferiorizados pela mendicância automobilística existente naquele tempo. Não havia grandes carros, é certo, a indústria nacional estava no começo, não era a festa que é hoje, Volkswagens, Gordinis, DKWs e olhe lá. Muitos pais ainda tinham velhos carros estrangeiros, Chevrolets, Fords, Dodges, Buicks, quase sempre mal conservados e que viviam dando problema. Mas era o havia, lambíamos os beiços quando podíamos dirigir algum destes trambolhos ambulantes.

Sempre que escuto alguém mais velho dizendo que tem saudades dos carros de seu tempo costumo pensar: “Mas saudades do quê, porra? Eram umas merdas. Qualquer carro moderno é muito melhor”.

E então, certo dia surgiu o Land Rover do Neto.

Neto era o mais velho de quatro irmãos meio aloucados, filhos do Sr. José e Dona Teresinha, que deviam ter uma paciência enorme para agüentar aqueles moleques. Para que se tenha uma noção das peraltices, costumavam treinar seus cachorros para serem corajosos colocando fogo em jornais colocados em voltam das casinhas em que prendiam os apavorados animais. “É pra perderem o medo”, diziam. Nunca morreu nenhum cachorro, é bem verdade, mas que era estranho isto era. 

E o Neto ainda não tinha carta de motorista, o que era um puta problema. Sr. José até emprestaria o carro, mas sem carteira nada feito. Ou aparecia alguém habilitado ou teriam que esperar, não adiantava reclamar. Eu tinha carteira de motorista, acabei virando motorista freqüente do bólido inglês.

O Land Rover não era uma destas coisinhas mimosas e valiosas que vocês conhecem agora e que simbolizam alta qualidade automobilística. Era um jipe meio velho, um pouco destrambelhado e que aquecia a todo momento, nos obrigando a andar com garrafas de água e panos para, quando necessário, molharmos a maldita bomba de gasolina que vivia dando problema e que provocava paralisias no veículo nos piores momentos e nos lugares mais inadequados. A grana pra gasolina também era curta, as vaquinhas para abastecer eram freqüentes e os passeios curtos. O tanque de gasolina era abastecido por bocal existente embaixo do banco do carona, coisa muito segura.

Mas foi uma das épocas mais divertidas da minha vida. Saudades daquela turma e daquele Land Rover.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Pingos nos “is”.

Outro dia fui visitar minha mãe, o que faço muito menos do que deveria, que está com 90 anos e sem sair da cama há mais de um ano. Magrinha, fala pouco, a memória já não ajuda, um caquinho. Quando fui me despedir ela soltou a frase mortal: “Até logo, meu amor, volte logo”. Aquele “meu amor” foi como um piparote no cérebro, uma chacoalhada para que eu me lembrasse quem era, realmente, aquela velhinha que estava ali deitada. Claro que eu era “seu amor”, ela nunca me tratou de outra forma, nem eu nem nenhum de meus seis irmãos, todos “seus amores”. Ela nunca deixou que pairasse a menor dúvida sobre isso, sempre nos amou a todos e sempre deixou isto claro. Digo isso para recolocar as coisas em sua real perspectiva na minha vida. Já disse que tenho cinco netos, os dois mais velhos, Leonardo e Murillo, vieram com meu genro Wagner de seu primeiro casamento, mas gosto deles como se fossem “de verdade”. Os outros três são Vitor e Henrique, filhos de minha filha Patrícia e do Wagner e a Nathalia, filha de minha filha Priscila e do Alexandre (Sam).

Convivi muito com os três, na tarefa de ajudar Maria Clara a cuidar dos pimpolhos, em ocasiões diferentes. Vitor morou conosco quase um ano e era meu companheiro de caminhadas pelo bairro na hora do cafezinho ou em outras atividades. Nana, miudinha, buscávamos na casa da Priscila para ficar conosco enquanto a mãe trabalhava. E foram muitos meses. Henrique também ficou conosco, todos os dias, até começar a ir para a escola com dois anos, mais ou menos. Virou meu acompanhante fixo e tornou-se muito popular na vizinhança. Minha mulher e eu adoramos todos e gostamos quando ficam conosco, apesar de alguma bagunça que acaba acontecendo. Alguém já disse que netos são um bônus que é dado para compensar a velhice e é verdade.

Mas cabe a importante ressalva: Vitor e Henrique não são os meus príncipes, nem Nathalia é minha princesa. São príncipes e princesas de suas mãe e pais. Minhas princesas são Priscila e Patrícia e meu príncipe é Eduardo, meus filhos. Eles são os responsáveis por minhas maiores alegrias (e maiores preocupações), eles me ensinaram aquelas coisas que as crianças costumam ensinar aos adultos e que nós custamos a reconhecer. Pri e Pata eram as gracinhas da minha fase adulta, lindinhas, amorosas, alegres. Eduardo era meu companheiro, meu amigão – é até hoje, foi pra ele que comprei os primeiros bonecos de ação, os primeiros videogames. Foram os primeiros dias de aula destes três que me deixaram aflito, suas doenças que me atormentaram, seus vestibulares, suas carteiras de motoristas, por ai. São eles que entendem minhas piadas, até as raríssimas boas, minhas expressões de mau-humor, minhas manias.       

 Então, já que não sei se chegarei aos noventa anos como minha mãe – acho que não, vou dizer agora pra não esquecer, amo muito meus netos, mas meus filhos são meus grandes amores, para sempre.

Que Maria Clara não se engane, ela é “Hors Concours” nesta história toda.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Da minha janela.

Da minha janela não vejo o mar, nem as montanhas, nem campos verdejantes como aqueles dos anúncios de desodorantes femininos ou de absorventes higiênicos. Vejo duas ou três arvores, a rua lá embaixo, e na frente um enorme paredão branco cheio de janelas. Rua pequena, estreita, um prédio de cada lado, o meu menor e mais baixo, o outro grande, mais de vinte andares, largo, com varandas na sala. Os apartamentos do prédio vizinho parecem bons, nunca os visitei, sala grande com varanda, três quartos e, imagino, outras dependências necessárias ao bom desempenho de suas funções. Minha vista concentra-se nas varandas e salas, já que os demais cômodos ou ficam fora do alcance de visão ou permanecem com cortinas fechadas preservando a privacidade dos moradores. E é ai que começa a viagem.

A qualquer momento que eu chegue perto da minha janela olho, queira ou não, para o prédio vizinho, não tem como evitar. E minha área de visão concentra-se naqueles apartamentos na mesma altura que o meu ou em andares próximos, abaixo ou acima. E começamos a criar enredos para os personagens desconhecidos, mas tão freqüentes, de cujas vidas partilhamos um pouco todo dia, mesmo sem querer.

Minha personagem favorita era a Maria Louca. Oitavo ou nono andar, coluna da direita. Quarenta e poucos anos, não sei se bonita ou não, nunca consegui definir. Passava os dias com janelas e cortinas fechadas, acho que dormindo, e aparecia mais para o fim da tarde. Nos finais de semana, começando na sexta-feira, é que a coisa pegava fogo. À medida que as horas iam passando ela começava a elevar o tom de voz e a aumentar o som da TV, aonde rodava interminavelmente um DVD da Ana Carolina ou outro parecido. O famoso efeito cachaça. Falava muito ao telefone, quase sempre brigando com alguém. Às vezes aparecia algum acompanhante. Havia um mais regular, que circulava pelo apartamento de cuecas vermelhas e com quem ela começava a brigar lá pelas duas da manhã, ordenando que fosse embora. Certa vez, no meio de uma discussão, ameaçou pular da varanda chegando a colocar uma perna para o lado de fora da grade de proteção. Quando a baixaria era muita, na segunda-feira seguinte aparecia um casal mais velho, cabelos brancos, e ela ficava se explicando para o homem (pai?), que só balançava a cabeça. Vendeu o apartamento para o Vovô e mudou-se, acabou a festa.

Vovô fez pequenas obras, acho que para consertar os estragos, pintou o apartamento e mudou-se. Um casal de idade e um cachorrinho. Aonde o Vovô fosse o bichinho ia atrás, estavam sempre juntos nas caminhadas pela casa. Cheguei a encontra-los na rua em algum passeio para que o animalzinho fizesse suas necessidades, suponho eu. A Vovó pouco saia do quarto, aparecendo no horário das refeições e movia-se com dificuldade. De repente o cãozinho sumiu, acho que morreu. Vovô entrou numa depressão de dar dó, não circula mais pela casa, não sai mais à rua, só o vejo na hora da sopa e olhe lá. Morro de pena, deviam ser grandes amigos.

Um ou dois andares acima do Vovô mora o Alemão. Sozinho, meia idade, calvície avançada, magro, passa os dias trabalhando em um notebook na varanda. Senta-se em uma espreguiçadeira e fica muitas horas naquele computador. Gosto de imaginar que ele fica jogando o popular game “Transferência Ilegal de Fundos para o Exterior”, mas na verdade não sei o que o bicho fica fazendo. Faz seus lanches lá mesmo e toma jarras enormes de suco (?). Às vezes aparecem alguns amigos e jogam sinuca na mesa que existe no meio da sala. Nada muito barulhento fora algumas cantorias que não entendo, provocadas pelos Schnaps.
 
Na coluna da esquerda o Comandante, sexto ou sétimo andar. Na verdade a moradia deve ser da, digamos, amiga do Comandante, já que ele aparece de vez em quando. Sessentão, elegante, grisalho nos cabelos e no bigode bem tratado. Quando ele está, o casal aparece na varanda para fumar, coisa que ela nunca faz sozinha, limitando-se a cuidar das plantas. Fumam, conversam, às vezes vão para dentro e voltam para fumar após algum tempo. O mal educado joga a bituca para baixo, acreditam? E ai ele parte, ficando dias sem aparecer, às vezes semanas.

Acima do Comandante a Sharon. Loira, aparentemente jovem, vem à varanda para fumar. Deve ser patrulhada pelos outros moradores, que não querem aquele mau cheiro lá dentro. O apelido deve-se a um certo exibicionismo, levando minha mulher a ficar de olho em mim para ver se eu não fico de olho nela (na Sharon). Bobagem. São todos muito altos na casa dela, quando fazem alguma reunião familiar é que dá para perceber.

Acho que eu prefiro vista para o mar.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cidadanias, Civilidades e o Guarda-Roupa.

Os atletas praticantes da profissão mais antiga do mundo, aquela que começa com “P”, são responsáveis por estas lamentáveis confusões, que pretendo comentar a seguir se não perder o fio da meada. Não, meus queridos, não me refiro às Putas e sim aos Publicitários. Quando Eva foi tentada pela Serpente, com aquela conversinha de “É só $ 29,99, amiga...; É só até Sábado...; Sua vizinha já comeu duas, você vai ficar sem? ...” e inventou o Pecado Original estavam lançadas as bases da primeira profissão do planeta. Publicidade! Depois foi só criar um prêmio em forma de Leão e pronto, a profissão estava consolidada. São capazes das mais deslavadas mentiras para fazer você comprar o bagulho que querem vender. “Nosso maravilhoso plano oferece isto, aquilo, e muito mais”. Muito mais uma porra! Mesmo o que é explicitado nem sempre é fornecido, quanto mais o “Muito mais.”.

Mas já ia me perdendo, o que queria mesmo é falar do uso do que poderia ser chamado de Semântica Criativa como forma de enganar as pessoas e de criar novos e desagradáveis comportamentos. Os publicitários sempre foram muito criativos em usar a linguagem para enganar as pessoas. Carro usado vira “seminovo”, velhice vira “melhor idade” (esta é de lascar!), apartamentos onde Judas perdeu as botas viram “próximo ao Metrô Xingu”, estas merdas. Mas o auge da canalhice foi alcançado por um sub-grupo destes malditos, os especialistas em Marketing Político, a fina flor da filhadaputice! E foram criados novos significados para as palavras, normalmente associadas a um partido político, como se estes fossem os salvadores da pátria, os defensores da nação, o ó do borogodó, estas coisas.

E favela virou comunidade, e direitos civis viraram cidadania, e ações de prevenção viraram sustentabilidade, entre outras pérolas desta Inculta e Bela. Já vi em algum lugar a expressão “Cidadania Sustentável”. O que significa esta porra?! Da criação desta nova interpretação de Cidadania para o abuso foi um passo. Vagabundo enchendo o saco de todo mundo no Metrô ouvindo no último volume uma merda de um Funk pode? Pode, está expressando seu direito cidadão de optar por um estilo musical e demonstrar sua preferência aos pobres circundantes. Polícia prender maconheiro na USP pode? Não pode, os jovens estudantes tem o direito de usar dos frutos da natureza como quiserem, é seu direito cidadão. Passeata na Av. Paulista, atrapalhando o trânsito e fodendo a vida de todo mundo pode? Não pode, mas pode. Explico: É proibido, mas em face do direito cidadão de expressar suas opiniões livremente, grupelhos de desocupados mal-intencionados fazem manifestações na “Mais Paulista das Avenidas” (Quando os jornalistas vão parar de escrever esta bobagem?) e danem-se aqueles que precisarem de um dos muitos hospitais da região.

Então acho que entendi: Cidadania, de acordo com a Nova Gramática Publicitária, é o conjunto de nossos direitos mesmo que atrapalhem os outros. Então ta.

Proponho então, a partir de agora, que compensemos esta desgraceira com ações de Civilidade. Sei que muitos vão estranhar a palavra, cujo sentido talvez desconheçam, mas refere-se ao conjunto de ações que os antigos chamavam de “Boa Educação” e que, se aplicados no dia a dia, podem tornar a vida das pessoas mais leve e prazerosa.
Exemplos? Pois não, lá vai:

Peça por favor, ao solicitar algo de alguém. Qualquer coisa.
Agradeça com um muito obrigado quando for atendido.
Cumprimente as pessoas com um bom dia, boa tarde ou boa noite, conforme o caso, ao entrar em algum lugar – incluídos elevadores. Não importa se vão retribuir, o que interessa é sua atitude.
Despeça-se com um até logo ao sair destes mesmos lugares, pelas mesmas razões.
Não finja que está dormindo no Metrô para não dar lugar a alguém que precisa estar sentado mais do que você. Dê logo a porra do lugar!
Não incomode os outros com sons que muitas vezes só você gosta, use fones de ouvido ou escute esta merda na sua casa.
Dê passagem às pessoas mais velhas, às mulheres com crianças (nascidas ou por nascer), para aqueles que não se movimentam tão bem quanto você, enfim seja gentil cacete!

Então é isso, acho que já me estendi demais. Vamos adotar o slogan “Mais Civilidade e Menos Cidadania”, acho que pode funcionar.

Nota 1: Não é que eu odeie particularmente os publicitários, odeio quase da mesma forma outros profissionais: médicos, advogados, administradores, economistas, jornalistas, etc. Na verdade não gosto de quem usa de sua profissão para enganar os outros, simples assim.

Nota 2: O título “Cidadanias, Civilidades e o Guarda-Roupa” é uma homenagem ao título das Crônicas da Nárnia; “O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa”, que eu acho sensacional.

E mais não disse, nem lhe foi perguntado.

Saudações Republicanas.