Parece que o primeiro que viu a tal nuvem foi um
menino de dez ou onze anos e que jogava bola na rua, em frente de casa. Tinha
um nome de apóstolo, o menino não a nuvem, Tiago, Lucas, Mateus, Pedro, Paulo,
João, não importa. Como havia um mato de eucaliptos perto da sua casa, o menino
viu quando começou a subir aquela fumacinha azulada e estranhou. Chamou pelo
pai: Pai vem ver um negócio! O pai postergou: Depois eu vou, estou ocupado.
Mentira estava com preguiça. Não sabia que não teria tempo de ir depois. O
menino continuou jogando seu solitário campeonato mundial de futebol, no qual
ele ganhava sempre, e quando olhou de novo a nuvem já não estava mais lá.
A nuvem dirigiu-se para uma praça aonde havia uma
estranha construção. Pareciam dois pratos, um em posição normal e o outro
emborcado, com um pregador de roupas gigante no meio. Gilvásio, motorista de um
cara importante notou aquela coisa azul flutuando, mas pensou: Já vi tanta
coisa neste lugar, que nada mais me espanta. E continuou mandando mensagens de
texto para a namorada (que a mulher dele não saiba disto). Pobre Gilvásio. E a
nuvem foi baixando, baixando, e parou a poucos metros de altura sobre uma rampa
que dava acesso a um dos estranhos pratos.
Foi ai que a coisa começou. Um fulano graúdo que
estava chegando ao local foi interceptado por um repórter que mandou, na bucha:
“Excelência, é verdade que o senhor está envolvido nesta nova roubalheira?”. O
excelêncio fez cara de zangado e respondeu: Jamais! Nunca me apropriei de um
centavo que não fosse fruto de meu trabalho. Foi ele dizer isso e a nuvem envolveu
o entrevistado que começou a ficar azul, primeiro os pés, depois a cor foi
subindo e quando chegou à cabeça, o elemento morreu ali mesmo, na rampa. Caralho,
exclamou o repórter, matei o homem. Mal ele imaginava que era só o início de
uma sucessão de estranhos acontecimentos.
O que poucos sabiam é que aquela era só a primeira
de várias nuvens daquele tipo, que tinham surgido não se sabe como. Outra
estava de tocaia perto de uma grande agência de publicidade, em outra cidade, na
qual se discutia a nova campanha de uma famosa indústria de alimentos para o
lançamento de um novo produto, quase todo artificial, mas que por conter menos
de 1% de suco de alguma coisa, continha na embalagem, em destaque: “Com suco
natural da fruta”. A estagiária bonitinha que estava enfeitando a reunião do
diretor da agência com o cliente até perguntou: “Mas isto não é propaganda
enganosa?”, o que levou os outros presentes a caírem na risada. Foi a conta. A
nuvem penetrou pelos dutos do ar condicionado, tornando o ar da sala levemente
azulado, a mesma cor que começou a colorir tanto o diretor da agência como o da
indústria, que morreram ali mesmo, feitos bonecos de cera. Azuis, é claro.
Começaram a chegar notícias parecidas de todos os
cantos daquele país. Pessoas morriam dando entrevistas, fazendo reuniões,
falando ao telefone, dando explicações descabidas e justificativas improváveis.
Tudo azulzinho. Naquela construção dos pratos com o pregador gigante, por
exemplo, morreram todos. A bem da verdade, sobrou um rapaz que vendia pipocas
em um carrinho na calçada. Era mudo. As nuvens multiplicavam-se, eram milhares,
milhões, sumiam e apareciam do nada, de forma inexplicável. Políticos,
corretores religiosos, jornalistas, advogados, juízes, médicos, autoridades,
líderes de movimentos sociais, dirigentes de partidos, publicitários, todos os
que tentaram usar os acontecimentos a seu favor, foram dizimados pela névoa
assustadora. Uma menina, as mulheres são sempre mais espertas, avisou: Não pode
mentir! Mentiu, morre. Foi um alvoroço. E agora? Ninguém sabia como se
comportar, estavam muito acostumados a mentir, o tempo todo.
Foi um massacre, a população daquele lugar foi reduzida
a um terço do número original em menos de uma semana. Tiveram que organizar
grandes fogueiras para queimar os cadáveres, não havia como dar conta de tantos
mentirosos. Mas, pouco a pouco, as coisas foram entrando nos eixos. Com uma
população menor o país ficou mais administrável, mais fácil de organizar.
Parece até que hoje em dia é uma grande nação. Desconheço o final desta
história, vou tentar me informar melhor e depois eu conto.
Já pensou?! Cuidado com O Azul!